quinta-feira, 20 de junho de 2013

PARA GOSTAR DE LER...

Uma questão de interpretação 


Havia certa vez, em certo reino, um mosteiro habitado por monges jovens e idosos, que passavam o dia em preces, contemplações e estudos.
Um dia, um novo rei subiu ao trono e quis conhecer melhor seus domínios.
Ao passar pelo mosteiro, ficou maravilhado com os jardins e a paisagem do lugar. Imediatamente cobiçou o mosteiro para si, já pensando em transformá-lo em residência de veraneio.
No entanto, não podia expulsar assim, sumariamente, os religiosos. Isso o indisporia com seus súditos e ministros. Resolveu, então, conseguir o que queria de modo mais sutil.
Proclamou que desconfiava de que aqueles monges não tivessem, ali, a austeridade e a vida dura necessárias para ampliar seus conhecimentos. Assim, seria melhor saírem de lá e mendigarem pelas aldeias. Para comprovar que os monges eram ignorantes, promoveria um debate. Os monges poderiam escolher um dentre eles para debater com o sumo sacerdote da corte. Se o sacerdote ganhasse o debate, ficariam comprovadas as desconfianças do rei, e os monges seriam expulsos. Mas se, porventura, o sacerdote viesse a reconhecer sua derrota, então os monges ganhariam o direito de habitar o monastério para sempre.
Os monges tremeram ao saber da resolução do rei. O sumo sacerdote era famoso por seus conhecimentos, sendo especialista em filosofia, teologia e todas as outras ciências da época. Convocaram uma reunião e tentaram decidir quem seria o debatedor. Porém, nenhum dos monges se propunha a tão difícil tarefa. A reunião estava num momento de impasse, quando o jardineiro do convento, um homem muito simples, apresentou-se como voluntário. Houve um murmúrio de desaprovação, mas o monge superior foi prático:
– Não temos voluntário algum. Isso quer dizer que, se não há outra saída, esta é a única saída.
E no dia marcado para o debate, o jardineiro, acompanhado por alguns monges, apresentou-se no palácio, onde já o esperavam o rei, o sacerdote e todos os homens doutos e poderosos da corte.
Teve início o debate. O sacerdote prometera a si mesmo que derrotaria o adversário sem nem sequer pronunciar uma palavra. Depois de olhá-lo com desprezo, apontou o dedo para cima. O jardineiro, sem se perturbar, apontou o dedo para o chão.
O sacerdote pareceu ficar desconcertado. Mostrou-lhe então um dedo, diante de seu nariz. O jardineiro não teve dúvidas: mostrou-lhe os cinco dedos, com a mão toda aberta.
O sacerdote titubeou. Com uma expressão de raiva e desespero, tirou do bolso uma laranja. O jardineiro, muito tranqüilo, tirou do bolso um pãozinho.
O sacerdote empalideceu e pediu ao rei que encerrasse o debate. Ele reconhecia a derrota e declarava que nunca encontrara um oponente tão sábio.
O rei foi obrigado a cumprir sua palavra, e assinou o compromisso de que os monges conservariam o monastério para sempre. Assim que os vencedores deixaram o palácio, todos se reuniram com o sacerdote, querendo que ele explicasse, o que, afinal, tinha sido discutido.
– Quando apontei o dedo para cima – disse o sacerdote –, quis declarar que só a sabedoria dos céus é o que conta neste mundo. Mas ele, apontando para a terra, rebateu dizendo que, embora não possamos deixar de considerar os céus, somos homens e vivemos na terra. Então, mostrando-lhe um único dedo, argumentei que somos frágeis, pois estamos sozinhos. E ele sabiamente me fez pensar que não, que estamos cercados por outros homens, nossos irmãos. Finalmente, ao mostrar a laranja, rebati suas idéias, lembrando-o de que a natureza é mais forte do que o homem, pois sabe criar coisas que ele jamais criaria. Foi aí que ele me deu o golpe de misericórdia: ao mostrar-me o pão, lembrou-me de que o homem é capaz de conhecer e modificar a natureza, criando obras que, sozinha, ela não pode fazer.
Todos ficaram estupefatos com a sabedoria revelada pelos monges.
Enquanto isso, no monastério, os monges se reuniam ao redor do jardineiro, que explicava:
– Foi muito simples. Quando ele apontou para cima, mostrando que ia chover, eu mostrei-lhe o chão, dizendo que seria bom, pois a terra necessita de chuva. Depois ele me pareceu aborrecido e me mostrou um calo no seu dedo. Querendo ser gentil, mostrei-lhe minha mão toda, para que ele visse que isso não tem importância: eu tenho calos em todos os dedos! E quando ele tirou a laranja do bolso, pensei que fosse hora do lanche e peguei meu pão.


PAMPLONA, Rosane. O homem que contava histórias. São Paulo: Brinque-Book, 2005. p.28-31.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

SITUAÇÃO-PROBLEMA PARA TRABALHAR MULTIPLICAÇÃO


O CAMINHÃO DO SEU FRANCISCO


Conteúdo
Multiplicação.

Objetivos
Oferecer subsídios para que o educando construa o conceito de multiplicação.
Propiciar condições ao aluno de interpretar e resolver situações-problemas.

Recursos
Materiais: um engradado de refrigerantes, uma garrafa de refrigerante vazia, fita métrica, caixas de fósforo vazias, balança, cartolina, tesoura, cola, régua, papel sulfite.

Organização do trabalho
Levar para a sala de aula uma cópia ampliada do desenho do caminhão a seguir.


Procedimentos
Propor aos alunos as atividades a seguir, observando sempre as orientações que estão sendo indicadas para o professor, quanto ao encaminhamento das mesmas e às hipóteses levantadas pelos alunos.


Atividades
Seu Francisco é caminhoneiro. Viaja transportando engradados de
refrigerantes da fábrica situada em....................................................., para uma distribuidora na cidade de......................................................
Faz três viagens por semana, sempre com cargas equivalentes. Um funcionário da distribuidora deve fazer um relatório mensal da quantidade de garrafas de refrigerante recebida da fábrica. Vamos ajudá-lo a fazer os cálculos?
Observe o caminhão de Seu Francisco, na figura abaixo, carregadinho com engradados, todos completos com garrafas de refrigerantes.

Leia com atenção a situação-problema.
- Faça um desenho em seu caderno para ilustrar a situação-problema.
- Dê o significado das expressões: cargas equivalentes e relatório mensal.
- O que se quer resolver no problema?
- Existe algum dado faltando no problema?

domingo, 16 de junho de 2013

PARA GOSTAR DE LER...


Ilustração: Cris e Jean

Crônica para Dona Nicota


Foi nos anos finais da década de 40. (Há tanto tempo!) Meu primogênito Ricardo completara 6 anos de idade, e resolvemos matriculá-lo no primeiro ano primário da Escola Americana, do já então tradicional Mackenzie College, que ficava a três quadras da nossa casa. E Ricardinho, que era uma criança tímida e um tanto ensimesmada, não gostou nem um pouco da experiência de ficar "abandonado" num lugar estranho, no meio de gente desconhecida uma coisa para ele muito assustadora. E não houve jeito de fazê-lo aceitar tão insólita situação. Ele se recusava até mesmo a entrar na sala: ficava na porta, "fincava o pé", sem chorar mas também sem ceder... Eu já estava a ponto de desistir da empreitada, quando a professora da classe, dona Nicota, se levantou e veio falar conosco. E todo o jeito dela, a maneira como ela olhou para o Ricardinho, o timbre e o tom da sua voz, a expressão do seu rosto e até a sua figurinha baixinha, meio rechonchuda, não jovem demais, muito simples e despojada, causaram imediatamente uma sensível impressão no menino. A tensão sumiu do seu rostinho, seu corpo relaxou, e ora vejam! ele respondeu com um sorriso ao sorriso da dona Nicota! 

Vem ficar aqui comigo ela disse. 

Você vai gostar. E acrescentou, para minha surpresa, Eu mesma vou levar você para a sua casa. E amanhã cedo, eu mesma vou buscar você, para vir à escola comigo. 

Eu não sabia como agradecer. E nem foi preciso o que dona Nicota disse, ela cumpriu. E durante vários dias, até semanas, ela passou pela nossa casa, pouco antes do início das aulas, e levou o Ricardinho pela mão, a pé, até a escola e a sua sala. E o trouxe de volta, da mesma maneira. E até quando, certo dia, o menino estava adoentado e não pôde ir à escola, ela voltou para lhe dar uma "aula particular", em casa para ele não se atrasar no programa. Tudo isso na maior simplicidade, como se fosse a coisa mais natural do mundo... 

O Ricardinho adorava a dona Nicota e não era para menos. Dona Nicota era a mais perfeita e linda encarnação da "professora primária" ideal a mais nobre e fundamental das profissões: a de ser a primeira a preparar uma criança pequena nas suas primeiras incursões na vida real com competência, dedicação, compreensão, paciência e carinho. E a consciência plena de estar dando à criança uma verdadeira base para o futuro cidadão. 

Por que estou contando tudo isso a vocês, hoje? Porque, no Dia do Professor, eu senti que não poderia prestar maior homenagem a todos os "mestres-escolas" do Brasil do que incluí-los nesta "crônica-tributo" a dona Nicota, exemplo e paradigma de uma modesta e maravilhosa professora "montessoriana" e um grande ser humano. 

Ricardo saiu de sob a asa de dona Nicota lendo e escrevendo. E hoje, jornalista, tradutor e escritor, esse avô de três netos continua se lembrando de dona Nicota, com carinho e gratidão. 

Essa dona Nicota que a estas horas deve estar dando aulas montessorianas aos anjinhos do céu.


Tatiana Belinky

*fonte: www.revistaescola.abril.com.br

sábado, 15 de junho de 2013

DESAFIO DE LÓGICA


Esse jogo é utilizado em sala de aula e em palestras, a fim de despertar as pessoas para conhecerem melhor a forma como decifram incógnitas e resolvem problemas.
A metodologia usada é expressa nas seguintes instruções aos participantes:
1) Você está convidado a participar de um jogo de adivinhação. A idéia é que, enquanto você vá adivinhando, vá também registrando, por escrito ou mentalmente, os passos que está dando para enfrentar esse desafio. O que pretendemos é que você nos conte depois que processo realizou, como raciocinou até descobrir a resposta.
2) Vamos lá? Agora vou falar do objetivo e das regras do jogo. Preste bem atenção, pois não vamos repetir:
O objetivo do jogo é descobrir o significado de dez palavras misteriosas escritas em código. As palavras não têm ligação entre si.
Você deve descobri-las sozinho, sem se comunicar com os demais. Quando considerar resolvida a questão, escreva seu nome e, se quiser, um bilhete para mim contando o que achou da brincadeira, usando este código.

Palavras Misteriosas
1. JAINENTERLAI
2. FOBERLHAIGENTERM
3. UFATVAI
4. CRIMESAINÇAI
5. PÁSSCOBERAI
6. BRIMESNCAIR
7. UFATRUFATBUFAT
8. BAICAILHAIUFAT
9. RENTERSOBERLUFATÇÃIOBER
10.AILENTERLUFATIMESAI

Analisando o processo de descoberta
Você descobriu as palavras?
Foi mais adiante e descobriu sua regra?
Foi ainda mais adiante e conseguiu utilizar-se na prática deste código, escrevendo seu nome e/ou o bilhete com ele?
Posso conferir?

1) Verifique por onde a pessoa começou a descobrir. Intuiu pelo todo? Deduziu por alguma parte? Qual?
2) O que foi descobrindo a seguir e como procedeu. Verificou se o que pensou ter descoberto era generalizável a todas as palavras?
3) A “prova” de que realmente decifrou o código é dada quando a pessoa escreve corretamente seu nome e/ou bilhete, nessa “língua”.
4) Descreve o código com clareza e objetividade?
Se a pessoa, além de descobrir, explica como procedeu, acompanhando a trajetória, de seu raciocínio, seus acertos, desacertos e autocorreções, isto demonstra uma elaboração mais completa e cuidadosa.



Bibliografia:
OLIVEIRA, Vera Barros de. Jogos de Regras e Resolução de Problemas. Rio de Janeiro Vozes, 2004.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

DICA LITERÁRIA

Livro - Sopa 100 Bruxesca Uma
SOPA 100% BRUXESCA
MAGALI LE HUCHE, QUITTERIE SIMON
ED. COMPANHIA DAS LETRINHAS



SINOPSE:
O que é o que é: uma coisa deliciosa, que faz ficar forte, enorme, simpático e lindo? A famosa sopa de Croquilda, é claro! Uma sopa 100% bruxesca... E todas as pessoas que disseram "argh!" sem primeiro provar não sabem o que estão perdendo.

A bruxa Croquilda estava morrendo de fome, coitada. (Fome de bruxa é uma coisa descomunal...) Só que os armários de sua cozinha estavam todos vazios, não restava nem um sapinho seco no fundo da gaveta. Croquilda teve de pegar a vassoura e dar uma busca nas redondezas. Sorte que seus vizinhos gostavam de plantar hortinhas. Croquilda catou alguns legumes, juntou umas ervas cheirosas e... Temos sopa! Para completar, apareceu um príncipe achando Croquilda a coisa mais fofa do mundo. Que bruxa resiste a um príncipe batendo em sua porta? Depois disso, ninguém sabe onde Croquilda foi parar. Para contar a história, restou apenas a fumacinha de sua sopa de-li-ci-o-sa!

JOGO: BINGO AO CONTRÁRIO




Neste bingo, o objetivo do jogo é esvaziar a cartela, em vez de preenchê-la.
Estabeleça o campo numérico de acordo com as necessidades de aprendizagem de seus alunos (pode ser de 100 a 200, de 200 a 300 ou outro intervalo escolhido por você, de acordo com sua observação das dificuldades dos alunos).
Distribua aos alunos a cartela e as nove fichas para serem preenchidas.
A cada partida, os alunos escolhem nove números, para escrevê-los em cada uma das fichas; a seguir, distribuem as fichas nas casas de sua cartela.
Os números podem ser cantados por você (fichas com números que foram preparadas previamente) ou por um aluno.
Quem tiver o número cantado deve retirá-lo de sua cartela.
Ganha o jogo quem for o primeiro a esvaziar a cartela.


FONTE: GUIA DE ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS - PROFº 2º ANO (PROJETO LER E ESCREVER)

segunda-feira, 10 de junho de 2013

SUGESTÕES - BRINCADEIRAS PARA EDUCAÇÃO INFANTIL




1. O feiticeiro e as estátuas

Material necessário
Nenhum.

Desenvolvimento
Os participantes ficam de pé, dispersos em uma área delimitada para a brincadeira. Um voluntário será o “feiticeiro” que perseguirá os demais. Ao sinal do educador, inicia-se a perseguição, e aquele que for tocado ficará “enfeitiçado”: imóvel com as pernas afastadas, representando uma “estátua”. Os outros companheiros poderão passar por baixo das pernas das “estátuas”, salvando-as do “feitiço”. Depois de algum tempo, o “feiticeiro” deverá ser substituído. O jogo prosseguirá enquanto houver interesse do grupo.


2. O carteiro

Material necessário
Nenhum.

Desenvolvimento
Os participantes ficam sentados em círculo. O educador inicia falando: “O carteiro mandou uma carta... (suspense) só pra quem está usando camiseta branca!”. Todos que estiverem de camiseta branca trocam de lugar, mas não podem ir para o lugar ao lado. Quem não consegue trocar rapidamente de lugar, fica fora da brincadeira. A brincadeira prossegue com comandos variados: só pra quem estiver de cabelo solto, de cabelo preso, de anel, de relógio, de rosa, de azul... A brincadeira prossegue com a mudança do carteiro.


3. A queda do chapéu

Material necessário
Um chapéu.

Desenvolvimento
Os participantes são organizados em círculo. Cada um recebe um número. O educador se coloca no centro do círculo, segurando um chapéu. Inicia a brincadeira atirando o chapéu para o alto e chamando um número. O participante chamado deve correr e pegar o chapéu antes que ele caia no chão. Se o chapéu cair no chão, o jogador sai da brincadeira e o educador continua no centro. Se o jogador conseguir pegar o chapéu, vai para o centro do círculo e continua a brincadeira.


4. Apanhador de batatas

Material
Jornais e revistas, dois cestos de boca larga.

Desenvolvimento
Os participantes devem amassar várias folhas de jornal e revistas (serão as “batatas”). O educador deve distribuir as “batatas” em vários lugares. A um sinal do educador, os participantes, divididos em duas equipes, devem apanhar as “batatas” e colocá-las no cesto destinado ao seu grupo. Vence a equipe que apanhar o maior número de “batatas”


5. Patins engraçados

Material necessário
Várias caixas de sapato sem a tampa, fita adesiva colorida.

Desenvolvimento
As crianças ficam uma ao lado da outra na sala ou no pátio. Demarque com a fita adesiva a saída e a chegada. Distribua duas caixas de sapato para cada criança (serão os patins). Ao sinal do educador, as crianças deverão escorregar até a linha de chegada.




*fonte: www.revistaescolaabril.com.br




quinta-feira, 6 de junho de 2013

PARA GOSTAR DE LER...



O HOMEM QUE ENXERGAVA A MORTE
                                                                                         Ricardo Azevedo

Era um homem pobre. Morava num casebre com a mulher e seis filhos pequenos. O homem vivia triste e inconformado por ser tão miserável e não conseguir melhorar de vida.
Um dia, sua esposa sentiu um inchaço na barriga e descobriu que estava grávida de novo. Assim que o sétimo filho nasceu, o homem disse a mulher:
- Vou ver se acho alguém que queira ser padrinho de nosso filho.
Vestiu o casaco e saiu de casa com ar preocupado. Temia que ninguém quisesse ser padrinho da criança recém-nascida. Arranjar padrinho para o sexto filho já tinha sido difícil. Quem ia querer ser compadre de um pé rapado como ele?
E lá se foi o homem andando e pensando e quanto mais pensava mais andava inconformado e triste.
Mas ninguém consegue colocar rédeas no tempo.
O dia passou, o sol caiu na boca da noite e o homem ainda não tinha encontrado ninguém que aceitasse ser padrinho de seu filho. Desanimado, voltava para casa, quando deu de cara com uma figura curva, vestindo uma capa escura, apoiada numa bengala. A bengala era de osso.
- Se quiser, posso ser madrinha de seu filho – ofereceu-se a figura, com voz baixa.
- Quem é você? – perguntou o homem.
- Sou a morte.
O homem não pensou duas vezes:
- Aceito. Você sempre foi justa e honesta, pois leva para o cemitério todas as pessoas, sejam elas ricas ou pobres. Sim – continuou ele com voz firme -, quero que seja minha comadre, madrinha do meu sétimo filho!
E assim foi. No dia combinado a Morte apareceu com sua capa escura e sua bengala de osso. O batismo foi realizado. Após a cerimônia, a Morte chamou o homem de lado.
- Fiquei muito feliz com seu convite – disse ela. – Já estou acostumada a ser maltratada. Em todos os lugares por onde ando as pessoas fogem de mim, falam mal de mim, me xingam e amaldiçoam. Essa gente não entende que não faço mais do que cumprir minha obrigação. Já imaginou se ninguém mais morresse no mundo? Não ia sobrar lugar para as crianças que iam nascer!  Na verdade – confessou a Morte -, você é a primeira pessoa que me trata com gentileza e compreensão.
E disse mais:
- Quero retribuir tanta consideração. Pretendo ser uma ótima madrinha para seu filho.
A Morte declarou que para isso transformaria o pobre homem numa pessoa rica, famosa e poderosa.
- Só assim – completou ela -, você poderá criar, proteger e cuidar de meu afilhado.
        O vulto explicou então que, a partir daquele dia, o homem seria um médico.
— Médico? Eu?  - perguntou o sujeito, espantado. – Mas eu de medicina não entendo nada!
— Preste atenção – disse ela.
Mandou o homem voltar para casa e colocar uma placa dizendo-se médico. Daquele dia em diante, caso fosse chamado para examinar algum doente, se visse a figura dela, a figura da Morte, na cabeceira da cama, isso seria sinal de que a pessoa vai ficar boa.
- Em compensação – rosnou a Morte -, se me enxergar no pé da cama, pode ir chamando o coveiro, porque o doente logo, logo vai esticar as canelas.
A Morte esclareceu ainda que seria invisível para as outras pessoas.
- Daqui para frente – concluiu a famingerada -, você vai ter o dom de conseguir enxergar a  Morte cumprindo sua missão.
Dito e feito.
O homem colocou uma placa na frente de sua casa e logo apareceram as primeiras pessoas adoentadas.
O tempo passava correndo feito um rio que ninguém vê. Enquanto isso, sua fama de médico começou a crescer.
É que aquele médico não errava uma.
O doente podia estar muito mal e já desenganado. Se ele dizia que ia viver, dali a pouco o doente estava curado.
Em outros casos, às vezes a pessoa nem parecia muito enferma. O médico chegava, olhava, examinava, coçava o queixo e decretava:
- Não tem jeito!
E não tinha mesmo. Não demorava muito, a pessoa sentia-se mal, ficava pálida e batia as botas.
A fama do homem pobre que virou médico correu  mundo. E com a fama veio a fortuna. Como muitas pessoas curadas costumavam pagar bem, o sujeito acabou ficando rico.
Mas o tempo é um trem que não sabe parar na estação.
O sétimo filho do homem, o afilhado da Morte, cresceu e tornou-se adulto.
Certa noite, bateram na porta da casa do médico. Dessa vez não era nenhum doente pedindo ajuda. Era uma figura curva, vestindo uma capa escura, apoiada numa bengala feita de osso. A figura falou em voz baixa:
— Caro compadre, tenho uma notícia triste: sua hora chegou. Seu filho já é homem feito. Estou aqui para levar você.
O médico deu um pulando da cadeira.
— Mas como! – gritou. – Fui pobre e sofri muito. Agora que tenho uma profissão, ajudo tantas pessoas, tenho riqueza e fartura, você aparece para me levar! Isso não é justo!
A Morte sorriu:
— Vá até o espelho e olhe para si mesmo – sugeriu. – Está velho. Seu tempo já passou.
Mas o médico não se conformava. E argumentou, e pediu, e suplicou tanto que a Morte resolveu conceder mais um pouquinho de tempo.
— Só porque somos compadres, só por ser madrinha de seu filho, vou lhe dar mais um ano de vida — disse ela antes de sumir na imensidão.
O velho médico continuou a atender gente doente pelo mundo a fora.
Um dia, recebeu um chamado. Era urgente. Uma moça estava gravemente enferma. Disseram que seu estado era desesperador. O homem pegou a maleta e saiu correndo. Assim que entrou no quarto da menina enxergou, parada ao pé da cama, a figura sombria e invisível da Morte, pronta para dar o bote.
O médico sentou-se na beira da cama e examinou a moça. Era muito bonita e delicada. O homem sentiu pena. Uma pessoa tão jovem,  com uma vida inteira pela frente, não podia morrer assim sem mais nem menos. “isso está muito errado”, pensou o médico, e tomou uma decisão. “Já estou velho, não tenho nada a perder. Pela primeira vez na vida vou ter que desafiar minha comadre.” E rápido, de surpresa, antes que a Morte pudesse fazer qualquer coisa, deu um jeito de virar o corpo da menina na cama de modo que a cabeça ficou no lugar dos pés e os pés foram parar do lado da cabeceira. Fez isso e berrou:
— Tenho certeza! Ela vai viver!
 E não de outra. Dali a pouco, a linda menina abriu os olhos e sorriu como se tivesse acordado de um sonho ruim.
A família da moça agradeceu e festejou. A Morte foi embora contrariada, e no dia seguinte apareceu na casa do médico.
— Que história é essa? Ontem você me enganou!
— Mas ela ainda era uma criança!
— E daí? Aquela moça estava marcada para morrer — disse a Morte. — Você contrariou o destino. Agora vai pagar caro pelo que fez. Vou levar você no lugar dela!
O médico tentou negociar. Disse que queria viver mais um pouco.
— Nós combinamos um ano — argumentou ele.
— Nosso trato foi quebrado. Não quero saber de nada — respondeu a Morte. — Venha comigo!
— Lembre-se de que até hoje eu fui à única pessoa que tratou você com gentileza e consideração!
A Morte balançou a cabeça.
— Quer ver uma coisa – perguntou ela.
E num passe de magia, transportou o médico para um lugar desconhecido e estranho. Era um salão imenso, cheio de velas acesas, de todas as qualidades, tipos e tamanhos.
— O que é isso? - quis saber o velho.
— Cada vela dessas  corresponde à vida de uma pessoa — explicou a Morte.        — As velas grandes, bem acesas, cheias de luz, são vidas que ainda vão durar muito. As pequenas são vidas que já estão chegando ao fim. Olhe a sua!
E mostrou um toquinho de vela, com a chama tremula, quase apagando.
— Mas então minha vida está por um fio! – exclamou o homem assustado. Quer dizer que tudo está perdido e não resta nenhuma esperança?
A morte fez que "sim" com a cabeça. Em seguida, transportou o médico de volta para casa.
— Tenho um último pedido a fazer – suplicou o homem, já enfraquecido, deitado na cama. – Antes de morrer, gostaria de rezar o Pai-Nosso.
A Morte concordou:
Mas o velho médico não ficou satisfeito.
— Quero que me prometa uma coisa. Jure de pé junto que só vai me levar embora depois que eu terminar a oração.
A Morte jurou e o homem começou a rezar:
— Pai-Nosso que...
Começou, parou e sorriu.
— Vamos lá, compadre – grunhiu a Morte. – Termine logo com isso que eu tenho mais o que fazer.
— Coisa nenhuma! Exclamou o médico saltando vitorioso da cama. – Você jurou que só me levava quando eu terminasse de rezar. Pois bem, pretendo levar anos para acabar minha reza...
Ao perceber que tinha sido enganada mais uma vez, a Morte resolveu ir embora, mas antes fez uma ameaça:
— Deixa que eu pego você!
Dizem que aquele homem ainda durou muitos e muitos anos. Mas, um dia  viajando, deu com um corpo caído na estrada. O velho médico bem que tentou, mas não havia nada a fazer.
— Que tristeza! Morrer assim sozinho no meio do caminho!
Antes de enterrar o infeliz, o bom homem, tirou o chapéu e rezou o Pai-Nosso.
Mal acabou de dizer amém, o morto abriu os olhos e sorriu. Era a Morte fingindo-se de morto.
— Agora você não me escapa!
Naquele exato instante, uma vela pequena, num lugar desconhecido e estranho, estremeceu e ficou sem luz.


SOBRE AS ATIVIDADES PERMANENTES DE ALFABETIZAÇÃO


Atividades permanentes são situações didáticas cujo objetivo é constituir atitudes, desenvolver hábitos e procedimentos, favorecer a familiaridade e/ou a reflexão sobre um tipo de conteúdo etc. Pressupõe um trabalho regular – de periodicidade semanal, quinzenal, diária... – que acontece de forma sistemática e previsível durante o tempo necessário para que o objetivo pretendido seja alcançado. Como a característica principal dessas atividades é a regularidade, elas são privilegiadas para o contato intenso com um determinado conteúdo, daí a sua importância no período da alfabetização.
Seguem inicialmente algumas sugestões que não são específicas para alfabetizar.

 “‘Você sabia?’ – momento em que se discutem assuntos/temas de interesse das crianças. ‘Como viviam os dinossauros?’ ‘Por que a água do mar é salgada?’ ‘Como as crianças indígenas brincam?’. Cada aluno ou grupo pode se encarregar de tentar descobrir respostas para as perguntas. O professor também pode trazer, para esse momento, suas observações sobre o que mais mobiliza sua turma, em termos de curiosidade científica. É hora de trazer conteúdos das outras áreas curriculares: História, Geografia, Ciências, Matemática, Educação Física, como objeto de leitura e discussão.

Notícia da hora: momento reservado às notícias que mais chamaram a atenção das crianças na semana. Hora de exercitar o relato oral da criança que, por sua vez, vai aprendendo cada vez mais a relatar oralmente em situações como essas.

Nossa semana foi assim... Momento em que se retoma, de forma sucinta, o trabalho desenvolvido e se auxilia as crianças no relato e na síntese do que aprenderam; em que a memória de um pode/deve ser complementada com a fala do outro; em que o professor faz uma síntese escrita na lousa ou em cópias no papel ou de qualquer outro modo. Enfim, é hora de sistematizar, um pouco mais, as aprendizagens da semana: O que sabíamos? O que aprendemos? O que queremos aprender mais?

‘Vamos brincar?’ momento em que se ‘brinca por brincar’, em pequenos grupos, meninas com meninos, só meninas, só meninos, em duplas, em trios, sozinhos. É hora de o professor/a professora garantir a brincadeira, organizando, com as crianças, tempos, espaços e materiais para esse fim. É hora de observar as crianças nesse ‘importante fazer’. É hora de registrar essas observações para que possam ajudar o/a professor(a) a planejar outras atividades, a partir de um maior conhecimento sobre a turma, sobre cada criança.

Fazendo arte: momento reservado para as crianças conhecerem um artista específico (músico, poeta, pintor, escultor, etc.): sua obra, sua vida. Pode ser hora ainda de ‘fazer à moda de...’, em que as crianças realizam releituras de artistas e obras. Pode também ser momento de autoria de cada criança, por meio de sua expressão verbal, plástica, sonora.

Cantando e se encantando – momento em que se privilegiam as músicas que as crianças conhecem e gostam de cantar, sozinhas, todas juntas. É hora também de ouvir músicas de estilos e compositores variados, como forma de ampliação de repertório e gosto musical.

Comunidade, muito prazer! – momento em que se convidam artistas da região ou profissionais especializados (bombeiros, eletricistas, engenheiros, professores, repentistas, contadores de histórias, 
A família também ensina... momento em que se convidam mãe, pai, avô, avó, tio, tia para contar histórias, fazer uma receita culinária, contar como se brincava em sua época, cantar com as crianças. É a família enriquecendo seus laços com a escola e etc.) para irem à escola e fazerem uma apresentação/palestra/conversa. O evento demanda ação das crianças junto com o/a professor(a): elaborar o cronograma, selecionar as pessoas, fazer o convite, organizar a apresentação da pessoa, avaliar a atividade, etc. com as crianças. É a família compartilhando seus saberes.

Descobri na Internet – para as crianças que têm acesso em casa ou na comunidade à rede mundial de computadores, é possível reservar um momento para as descobertas que realizam, a partir dessa ferramenta de informação.

Leitura diária feita pelo(a) professor(a) – momento em que se lê para as crianças. É momento de o leitor experiente ajudar a ampliar o repertório dos leitores iniciantes. É possível, por exemplo, ler uma história longa em capítulos, como se liam os folhetins, como se acompanha uma novela na TV, mas também se pode ler histórias curtas, como fábulas, crônicas, etc. Ou ler poemas, com muita expressividade, enfatizando aqueles cuja sonoridade das palavras, cujo jogo verbal são as tônicas da construção poética.

Roda semanal de leitura – com as possibilidades referidas e outras ainda, como, por exemplo, quando as crianças selecionam, de própria escolha, em casa, na biblioteca (de classe, da escola ou da cidade) livros/textos/gibis para ler em dias e horários predeterminados. Podem depois conversar sobre o que leram para seus colegas. São leitores influenciando leitores. São leitores partilhando leituras.[1]



[1] Estas sugestões constam do documento Ensino Fundamental de 9 anos - Orientações para a inclusão de crianças de seis anos de idade (Brasília: SEB/MEC, 2006).


quarta-feira, 5 de junho de 2013

SITUAÇÕES DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO INICIAL: A CONTINUIDADE NA DIVERSIDADE

por: Mirta Luisa Castedo

Pensar nas situações de leitura para a alfabetização inicial implica pensar em situações não totalmente diferentes daquelas propostas para outras fases da escolaridade. Assim, em primeiro lugar, tentarei caracterizar tais situações no contexto escolar. Depois, abordarei mais pontualmente a idéia da necessidade de propor a diversidade de situações tanto no nível inicial como durante toda a educação básica. As situações para a alfabetização inicial não são diferentes daquelas desenvolvidas nas séries mais avançadas e é necessário que se mantenham em processo de continuidade.
Na segunda parte, sob o princípio de que toda situação didática de leitura procura ajudar a coordenar aquilo que o leitoraluno já sabe com a informação nova apresentada pelo texto e seu contexto, ressaltarei e exemplificarei quais as condições específicas que possui uma situação de leitura quando se trabalha no momento inicial da alfabetização.

Diversidade de situações
Durante toda a escolaridade, tanto no nível inicial como na educação básica, ensinar a ler significa muitas coisas:
• É propor situações que faça sentido que um adulto leitor leia para as crianças e é, também, investir mais naquelas em que as crianças tenham de ler ou interpretar por si mesmas.
• É planejar as situações nas quais essas atividades sejam "inevitáveis" mas, também, é decidir como utilizar as situações imprevistas nas quais a leitura apareça como sendo pertinente.
• É desenvolver situações nas quais ler tenha sentido (dentre outras coisas) porque estamos buscando um dado preciso, estudando um tema desconhecido, acompanhando as instruções para fazer ou consertar um aparelho, ou porque nos emociona, alegra-nos ou nos surpreende a maneira que o autor "diz" tal coisa...
• É mergulhar no mundo da ficção, da poesia, do conto e do romance; é desvendar as enciclopédias, os dicionários e todo tipo de texto temático; é interpretar os complexos jornais e até os guias de televisão, o humor gráfico ou os cartazes publicitários...
• É, às vezes, ler ou fazer ler bem rápido sem prestar atenção na precisão; outras, é se deter no mínimo detalhe; muitas vezes, é pular e reler somente certas partes ou, ao contrário, é ler com paciência toda a extensão de um texto longo.
• É, como se a diversidade até aqui enunciada não fosse suficiente, ler é, além de tudo isso, não só ler. É pensar, falar, sentir e imaginar sobre aquilo que se lê em situações como recomendar ou pedir conselhos sobre leituras, vincular algumas leituras com outras, discutir sobre o que foi lido, coincidir, confrontar, resumir, citar, parafrasear...
Felizmente, em nossa cultura, ler é uma prática diversificada: em gêneros e formatos discursivos, em suportes, em posições enunciativas, em propósitos e em modalidades de leitura. Se ensinar a ler é possibilitar que nossas crianças possam navegar com prazer e adequação nessa prática cultural, a leitura na escola jamais poderá ser "a" mas "as".
Diversidade, sem dúvida, dificilmente reconhecida quando se transforma em mecanismo que deve ser adquirido instrumentalmente no início da escolaridade, para depois dar lugar a exercícios mais ou menos estereotipados de uma aquisição que se supõe finalizada. Ainda bem que faz muito tempo que essa prática escolar deformadora está sendo revisada tanto nas salas de aula pelos professores como por escritores profissionais e pesquisadores de diferentes procedências (psico e sociolinguistas, linguistas, críticos de literatura, psicólogos e didatas). Como resultado desse movimento, algumas certezas estão surgindo de maneira convincente: não é possível ensinar a ler com um único texto, não é viável pretender controlar todo o processo de interpretação de um texto (muito menos medi-lo), não é desejável impor uma única interpretação de um texto...Em suma: quando o que se pretende é formar leitores críticos, competentes e felizes não é didaticamente adequado pretender homogeneizar leitores nem leituras.
Além desse princípio básico de diversidade, outros princípios didáticos guiam os projetos e as situações de leitura e de produção de textos. É necessário:
1) Propor problemas para as crianças para cuja solução não tenham todos os conhecimentos nem todas as estratégias para poder resolvê-los totalmente. Somente dessa maneira é que sua resolução gera a necessidade de coordenar ou dar novo significado aos conhecimentos anteriores, construir novos conhecimentos e desenvolver estratégias.
2) Organizar projetos e situações nos quais a leitura apareça contextualizada em alguma prática existente em nossa cultura.
3) Dar oportunidades para se aproximarem e transformarem interpretações diversas de um mesmo texto, retomando-as a partir das interpretações de outros, de outras leituras, outras experiências que contradigam ou enriqueçam suas interpretações iniciais.
4) Gerar situações nas quais seja necessário que as crianças explicitem suas interpretações, confrontem-nas e elaborem outras cada vez mais compartilhadas.
Sob esses princípios, a professora ou outro adulto leitor lê para as crianças ou as crianças são convidadas a ler por si mesmas com modalidades diversas, diferentes textos, diferentes propósitos...Lê-se no contexto de selecionar anedotas, poemas ou adivinhas preferidas para uma antologia com destinatário escolhido por todo o grupo. Relê-se para inserir ilustrações da maneira mais adequada em textos que não as possui, lê-se para escolher um conto que será gravado para dar de presente para as crianças da pré-escola e também, muitas vezes, lê-se para ensaiar a melhor maneira de oralizá-lo na gravação. Obras e roteiros são selecionados e lidos em voz alta em sessões de leitura de textos. Também se seleciona e se lê para dar sessões de leitura para as crianças pequenas. Lê-se acompanhando instruções para montar um brinquedo, para fazer um truque de mágica ou para brincar de alguma coisa.
Lê-se para estudar: para se ter uma ideia global do tema ou localizar a resposta para uma pergunta específica ou buscar o parágrafo ou a frase que servem para justificar a própria opinião ou se lê para resumir... É necessário ressaltar que a diversidade de leituras no contexto escolar não pode nem deve ficar sujeita somente às propostas apresentadas pelas crianças, aos materiais que elas trazem, às situações que podem surgir. Tais demandas não atendem, necessariamente, à ampla gama de práticas sociais de leituras: ninguém pode demandar nem propor aquilo que não conhece. Quando se trata de ensinar a ler, é responsabilidade da escola garantir que a maior quantidade possível de situações e textos seja apresentada nas salas de aula para que as crianças tenham todas as oportunidades que necessitam para se transformarem em leitores críticos de nossa cultura. Continuidade também é responsabilidade da escola manter essa diversidade de situações em permanente uso. Não se aprende por partes fragmentadas que vão se acumulando até somar um todo, mas por coordenações cada vez mais extensas e profundas que dão lugar a reorganizações e ressignificações dos saberes em jogo, isto é, por aproximações sucessivas. Então, a apresentação de situações diversas sem continuidade não garante mais que certas aproximações cuja permanência e transformação progressiva não estão garantidas. A continuidade na presença de situações diversas é um princípio complementar da própria diversidade. É o princípio que garante a transformação do saber e evita sua perda por desuso A tradicional distinção escolar entre "ensinar a ler" no primeiro grau e "ler de maneira compreensiva" a partir do segundo, entre a aprendizagem de um mecanismo e o desenvolvimento da leitura propriamente dita, não está de acordo com os princípios de diversidade e de continuidade até aqui expostos. Há várias décadas o discurso da escola sobre a leitura vem sustentado que o fracasso da compreensão na leitura é um "problema concentrado na questão da primeira aprendizagem, pois não se imagina que o ato de ler possa ser outra coisa senão essa técnica que se aprende em alguns meses" nas séries inferiores .
Mas, ao contrário, se sustentamos que toda leitura é compreensão, que as crianças podem fazer interpretações dos textos desde muito pequenas, que as interpretações diversas são válidas e podem ser transformadas..., não há motivo para afirmar que existe uma divisão taxativa entre "ensinar a ler" e "ler". Essa distinção levou a omissões e deformações importantes tanto na alfabetização inicial como no processo posterior. Nas séries inferiores, o conteúdo privilegiado da leitura é a sonorização dos grafemas e suas combinações. O ensino omite todo conteúdo cultural relativo à própria prática da leitura, já que considera que sua abordagem supõe o conhecimento prévio do "código". Quando o texto aparece, é visto como suporte ou desculpa para ensinar o código. Mas, após essa etapa inicial, a deformação não desaparece mas assume outra característica: considera que os alunos já dominam as regras de combinação do "código escrito" e, portanto, "já sabem ler". Assim, "deixa-se de ler para elas (as crianças) porque são elas que devem ler sozinhas, e não só ler, mas entender (de um único jeito) mensagens escritas com vários tipos de complexidade.
Implicitamente, age como se não tivesse que continuar ensinando a ler, isto é, a interpretar as infinitas complexidades dos textos e seus contextos de produção".
Quando as crianças de 3a ou 4a série não interpretam adequadamente o enunciado de um problema matemático ou de um artigo de divulgação científica costuma-se afirmar rapidamente que não sabem ler, como se fosse um "mecanismo chave" que, uma vez adquirido, abriria as portas de qualquer texto e em qualquer circunstância. As perguntas a serem feitas nesses casos são: Qual a complexidade lingüística desse texto nessa circunstância que essas crianças ainda desconhecem? Qual a complexidade conceitual (matemática, temporal, causal...) que apresenta esse texto nessa circunstância e que põe obstáculos para a compreensão? Quais os saberes prévios cuja ausência propicia diferentes
interpretações...
Em suma, as crianças podem saber ler algumas coisas e, nós, professores, temos de continuar ensinando a ler durante toda a escolaridade.

Situações de leitura na alfabetização inicial
Argumentamos até aqui sobre a necessidade de manter a continuidade de situações diversas de leitura para garantir a possibilidade de construção de leitores autônomos e críticos. Agora, cabe e perguntar o que diferencia uma situação  de leitura com leitores iniciais e aqueles que não o são. As situações de leitura na alfabetização inicial "além do propósito próprio de
toda atividade de leitura (...) "obedecem" (...) à necessidade de cumprir um propósito didático bem específico: o de conseguir que as crianças avancem na aquisição do sistema, que possam ler cada vez melhor por si mesmas..."

As crianças
Felizmente, há uma década que em nosso meio já se sabe que as crianças constroem saberes sobre a leitura antes mesmo da leitura convencional. Essas descobertas poderiam ser sintetizadas em:
• As estratégias de leitura. "O significado do texto não é totalmente determinado pelo texto em si porque o leitor coloca em jogo seus saberes em um processo no qual continuamente formula hipóteses sobre o que pode estar escrito, infere o "não escrito", antecipa o que encontrará escrito mais adiante e até pula partes que não necessita processar para compreender o todo. Um leitor, além disso, integra essas estratégias em um processo permanente de autocontrole do que vai compreendendo. Todas essas estratégias próprias de cada tipo de texto vão modelando as estratégias do leitor. (...) Também não se lê da mesma maneira quando se faz com diferentes propósitos".
"É importante destacar que essas pesquisas não foram realizadas só com leitores, no sentido convencional do termo, mas também com crianças bem pequenas. (...) Elas também desenvolvem essas estratégias diante do texto e 'lêem' fazendo interagir aquilo que sabem com as restrições impostas pêlos textos".
• A interpretação do sistema de escrita. Nos esforços por compreender "o que a escrita representa e como representa", sabe-se que crianças bem pequenas podem diferenciar a escrita de outros sistemas de representação gráfica e estabelecem as condições internas para que o que está escrito "diga" (quantidade e variedade de caracteres). Muitas crianças pensam que está escrito o nome da imagem mais importante ou do elemento do contexto que é mais significativo (hipótese do nome).
Outras, além disso, consideram aspectos quantitativos da escrita ("não deve estar dizendo pouca coisa porque tem muitas letras" ou "aqui 'sapo' onde aparece festa" e "aqui 'o conto do sapo' onde aparece A montanha estava em festa"). Algumas, as mais avançadas, consideram não só os aspectos quantitativos da escrita, mas, também, a qualidade das marcas gráficas ("não está escrito 'sapo' porque não tem a mesma de 'sapato' " ou "está escrito 'aranha' porque é igual a de 'António'").
• A linguagem que se escreve. Além disso, as crianças não têm só estratégias e saberes sobre o sistema de escrita desde muito pequenas, mas também constroem saberes sobre "a linguagem que se escreve". "Autores como Ana Teberosky, Liliana Tolchinsky, J. Harste, D. Graves, dentre outros, demonstraram que as crianças, mesmo sem saber ler e escrever de maneira convencional e desde muito cedo, produzem textos linguisticamente diferenciados (por exemplo, narrações e descrições). São capazes de produzir mensagens que possuem marcas de diferenciação entre gêneros e demonstram que a organização sintética dos textos também é diferente"8. Essas diferenciações não só se realizam ao escrever mas quando antecipam o que pode estar escrito. As aulas as situações de leitura na alfabetização inicial requerem possibilitar a coordenação entre esses saberes das crianças e as informações que o texto e a situação oferecem. A intervenção do professor é necessária para propor os problemas que possibilitem esse interjogo.
Uma das dificuldades mais comuns desse tipo de situação é que as crianças, por falta de contexto, acabam decifrando ou inventando em vez de antecipar e confirmar ou desprezar suas antecipações considerando os dados que o texto oferece. Isto é, sonorizam as letras sem conseguir obter nenhum significado ou “dizem qualquer coisa" que não é coerente nem com o texto nem com o contexto. Muitas vezes, essa dificuldade não está em uma dificuldade da criança, mas em um obstáculo introduzido pela situação didática que não oferece de maneira suficiente e adequada os elementos do contexto para que previsões possam ser feitas.
As crianças têm oportunidades de desenvolver antecipações cada vez mais ajustadas e construir estratégias para confirmar ou desprezar essas antecipações quando as situações didáticas possuem os meios para que o texto se torne previsível e possa ser explorado, fazendo a correspondência entre aquilo que se acredita (ou se sabe) que está escrito e a própria escrita. Nas salas de aula, algumas estratégias demonstraram ser coerentes com esses propósitos.
Em princípio, é necessário desenvolver a maior quantidade e qualidade possível de saberes sobre a escrita e sobre a linguagem escrita. Esse saber permitirá que as crianças façam previsões cada vez mais ajustadas. Por exemplo, em uma classe na qual são explorados diferentes materiais para obter informação, um grupo de primeira série está estudando diferentes animais do Litoral para a elaboração de um folheto explicativo. Cada equipe procura informação sobre determinado animal escolhido por todos, a professora discutiu previamente o tema durante vários dias colhendo toda a informação prévia das crianças, também assistiram a vários vídeos que ampliaram seus saberes sobre o tema.
Na aula, a professora distribui uma série de materiais escritos para cada equipe e pede às crianças que marquem onde elas acham que há informação que possa ser útil.
Esse material foi cuidadosamente selecionado: há enciclopédias gerais e de animais (com e sem informação sobre o espécime procurado), contos e poesias com figuras de animais (mas, obviamente, sem informação relevante), revistas atuais (suplementos dominicais) que têm ou não dados sobre o tema e revistas para crianças dos dois tipos e jornais (que somente em um caso tem o material solicitado). As crianças marcam e, em seguida, discutem sobre como fizeram isso. A professora lê em voz alta algumas partes dos materiais marcados pelas crianças, elas confirmam ou não a existência da informação que procuram. Ao mesmo tempo, vão anotando os dados que julgam necessários guardar para o folheto.
Nessas situações, dentre outras coisas, os alunos:
1. podem ampliar seus saberes sobre em qual tipo de texto há informação relevante sobre esse tipo de tema;
2. podem distinguir que em alguns materiais (como os contos) há figuras de animais (muitos assim antecipam), mas pouca ou nenhuma informação;
3. talvez comecem a diferenciar a estrutura sintática dos textos informativos das narrativas de ficção (que certamente conhecem muito mais);
4. podem comparar a forma "organizada e metódica" de apresentar a informação em uma enciclopédia dos comentários bem diferentes que podem ser encontrados em um suplemento dominical;
5. podem também aprender sobre as sessões dos jornais, os índices diversos e a função das ilustrações ou dos subtítulos.
Em todas essas situações, as crianças aprendem a buscar onde ler e de que maneira fazê-lo de acordo com o propósito.
Colocam em jogo suas antecipações sobre os diferentes gêneros e seus portadores e ajustam essas antecipações em função de considerar os índices fornecidos pelo texto. Quando já se conhece muito sobre o gênero que se vai ler,
explorar onde diz, como diz cada coisa...As crianças podem antecipar que no início do conto diz "Era uma vez..." porque escutaram ler vários contos, podem procurar esse trecho de escrita no início do texto, podem comparar como esse início é igual ou parecido em vários livros e, também, como existem outros que não começam com a mesma escrita embora algumas partes permaneçam iguais. Poderiam servir para os mesmos fins as fórmulas de encerramento desses contos clássicos, as construções que se repetem nos contos de estrutura repetida ou os subtítulos "habitat, alimentação, reprodução..." em uma enciclopédia de animais cujas páginas têm, todas, a mesma diagramação e foram muitas vezes lidas pela professora.
Trata-se de propor o problema de "onde diz?" algo que é previsível que diga porque já foi lido muito e já se identificou uma parte (que muitas vezes se repete a partir do oral) para depois procurar essa parte no texto. Isto é, o escrito não é previsível ou não o é em si mesmo, é o professor que o torna previsível por intermédio de situações em que é apresentado. As poesias e as cantigas, quando são memorizadas em contextos nos quais faça sentido memorizá-las (porque de tanto cantá-las se aprende ou porque vão ser recitadas em um ato público ou em uma sessão de poesia para o Dia da Família, por exemplo), podem se tornar textos que as crianças conhecem muito bem e que, ao serem colocados à disposição delas por escrito, permitem esse trabalho de irem identificando onde dizem (ou estão escritas) as partes que vão sendo oralizadas Dessa mesma maneira, como texto a ser explorado mais pontualmente, podem funcionar as agendas de trabalho semanal ditadas para a professora por todo o grupo, escritas em cartazes que ficam à disposição das crianças e consultadas (relidas) para confirmar se a tarefa que se pensa fazer é a que corresponde àquele dia.
Algumas vezes, a previsibilidade de um texto pode surgir pelo contexto verbal imediato fornecido pela professora.
Tratam-se de situações em que o professor informa sobre o "que diz" em vários enunciados do texto e propõe às crianças o problema de identificar em que parte ele aparece. Em uma publicação que já tem vários anos, era descrita uma situação que continua sendo um exemplo típico desse caso. A seguir, transcrevo textualmente o trecho da obra citada:
Um grupo de crianças de cinco anos organiza com a professora uma festa de um aniversário na sala e pede a ela que escreva "Feliz aniversário" no cartaz. Ela atende o pedido das crianças, mas, além disso, acrescenta a esse material outros que dizem "Feliz Natal" e "Feliz viagem". Informa ao grupo sobre o conteúdo dos três cartazes sem identificar a qual pertence cada um, prega-os na lousa e pergunta qual deles é o que ele pediu..
Proposta a atividade, faz-se uma discussão entre os grupos. Opiniões diversas surgem em relação à identificação da escrita "Feliz aniversário".
Andrés: Aqui (mostrando a palavra FELIZ em cada um dos três cartazes) diz "feliz, feliz, feliz..."
Professora: Porque você acha isso?
Andrés: Porque tem todas essas letras (mostrando as letras dos três cartazes), todas essas letras são "igualzinhas".
Juan Manuel: Sim! Ele tem razão: são todas iguais (surpreso).
Professora: Onde diz "Feliz aniversário"? (Burburinho generalizado em toda a sala. As crianças comentam entre si diferentes opiniões).
Patrício: Olha Claudia (para a professora), eu acho que é neste (mostra FELIZ NATAL) que diz "feliz aniversário".
Professora: Por que você acha, Patrício, que aqui diz "feliz aniversário"?
Patrício: Porque esta (mostra o N em NATAL) é o "o"...
Várias crianças: Este é o "o", o redondo (mostram O em ANIVERSÁRIO).
Professora: Algum de vocês tem o nome que comece com esta (mostra o N)?
Maximiliano: Nicolas!
Maria Elena: Natalia!
Gissela: Natalia!!!
Mauro: Do mesmo jeito que começa o da Nancy.
Nicolás: Começa com o ene, professora.
Professora: O que será que diz então?
(Alguns afirmam que diz "Natal" porque começa com a mesma letra de Natalia, outros propõem significados diferentes).
Professora: (Pede que tragam o cartaz no qual está escrito NATALIA e mostra para o grupo)
Evangelina: É igual!!!
Gissela: É mesmo, porque esta é igual a esta e esta é igual a esta (mostrando N e A em NATALIA e NATAL).
Professora: O que diz aqui? (em NATAL).
(A maioria reconhece que no primeiro cartaz está escrito "Feliz Natal" porque começa igual a Natalia, o resto afirma que está escrito "feliz aniversário").
Jorge Luis: Não, aqui (em FELIZ VIAGEM) diz "feliz aniversário".
Patrícia: Não, você não está vendo que não tem o "o"?
Andrés: Aqui, "feliz viagem" (em FELIZ VIAGEM), porque tem um "e". Olhe, via...geee...eeem (mostra o E. A opinião de Andrés é confirmada por quase todas as crianças. Reconhecem que é a mesma de Emanuel - letra E - e que diz "viagem" porque tem essa letra).
Professora: Todos estão de acordo que está escrito "feliz viagem"? (em FELIZ VIAGEM).
Todos: Sim.
Professora: Então, vamos ver se entramos em um acordo em qual desses diz "feliz aniversário", (mostra FELIZ ANIVERSÁRIO e FELIZ NATAL).
Juan: Esta é "feliz aniversário" (mostra o cartaz correspondente), porque tem o "o" (mostra a letra O).
Professora: Eu pergunto... "Feliz Natal" tem "o"?
(Várias crianças repetem em voz alta a frase, realizando diferentes tipos de separação. Finalmente, dizem que não tem "o").
Várias crianças: Não!!!
Maria Elena: "Feliz aniversário" tem. Olhe professora, "fe...liz..ani...ver..sá..río" Sim, tem "o". Aqui diz "feliz aniversário" (no cartaz de FELIZ ANIVERSÁRIO). (A maioria apóia a resposta de Maria Elena. Algumas confrontam a escrita do cartaz FELIZ ANIVERSÁRIO com a frase idêntica escrita em uma faixa, confirmando, assim, a interpretação dada).
Essa observação exemplifica a forma com que as crianças podem antecipar o significado da escrita a partir da coordenação da informação fornecida pelo adulto (sua leitura) e a informação fornecida pêlos índices qualitativos dos textos. A resolução do problema se concretiza mediante as opiniões e discussões das crianças e da intervenção da professora, que indica para favorecer a interpretação".
Nesse tipo de situação, é inevitável para as crianças considerar os aspectos quantitativos da escrita (é mais ou menos longa, tem mais ou menos letras, tem tantas partes) e os aspectos qualitativos (com qual começa, com qual termina, tem a mesma que..., tem algumas que são iguais nas três...), para coordená-los com os enunciados que conhecem que estão escritos (porque a professora informou).
Para que as crianças cheguem a ler por si mesmas necessitam elaborar hipóteses cada vez mais ajustadas sobre aquilo que estão lendo, sobre o que está escrito e como está escrito em diferentes gêneros e portadores. Ao mesmo tempo, necessitam confirmar ou rejeitar tais idéias em função dos índices que o texto e a situação fornecem.
Esses índices se tornam cada vez mais observáveis pela participação em situações nas quais alguém lê para elas ou lhes propõe tentar ler por si mesmas e nas quais a intervenção da professora colabora para que tal processo se desenvolva, para que nossas crianças se sintam poderosas e felizes porque são capazes de ler por si mesmas.
Tradução: Daisy Moraes