segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

É HORA DE ACOLHER!!!

A psicóloga Cisele Ortiz explica que esse período de readaptação às aulas pode definir o sucesso do aluno na escola


Nesse período de retorno às aulas uma questão merece destaque e reflexão: o acolhimento aos alunos.
Cisele Ortiz, psicóloga e coordenadora de projetos do Instituto Avisa Lá, ONG voltada para formação continuada de educadores, afirma que o acolhimento é uma situação vivenciada cotidianamente por crianças e adultos.
Ela explica que a maneira como o aluno é recebido na escola é que vai definir como ele irá se relacionar com o ambiente de estudo. “E o acolhimento tem vários pontos de vista: o da criança, o dos professores, o da família”, disse.
Para Cisele, tanto o começo do ano, quanto o retorno do recesso, agora em agosto, são vitais para a adaptação dos estudantes. “Eles descansaram, conviveram com as pessoas da família, com amigos do bairro e brincaram muito. A escola precisa se preparar para o retorno desses alunos.
É importante a elaboração das atividades para recebê-los. As crianças precisam sentir que são queridas e que a volta delas para a escola é desejada.”
A psicóloga recomenda que nas atividades de volta às aulas as crianças tenham oportunidade de contar como foi vivido o momento de férias. “E não se trata, de maneira convencional, de pedir para o aluno redigir uma redação de 20 linhas sob o tema ‘Minhas férias’, mas do professor ouvir, de forma mais genérica o que o aluno tem a dizer. A criança pode trazer informações importantes. E essa relação tem que ser autêntica. O educador precisa respeitar a criança como pessoa inteira, com idéias sentimentos e reações.”
Cisele chega a propor um exercício para os professores neste momento: colocar-se no lugar das crianças e refletir sobre a vivência delas em casa durante as férias – se foi boa, acolhedora, com amigos e com a família.
Deixar isso para trás e voltar a conviver com os colegas de classe, de forma disciplinada, dedicada e concentrada é difícil, segundo a psicóloga. “É o estado de prazer substituído por outra coisa.
Isso requer um período de adaptação, de acolhimento, no qual a criança precisa de ajuda e compreensão do professor. Basta o educador lembrar o que ele mesmo sente quando volta das férias e tem necessidade de uns dias para se readaptar ao trabalho.”
Por isso, as atividades de retorno precisam ser bem elaboradas, prevendo mais tempo para socialização, para conhecer as brincadeiras que os alunos aprenderam durante o recesso, “até o recreio precisa ser maior durante esse período de acolhimento”. Uma sugestão de Cisele é que os
professores trabalhem atividades culinárias. “Com isso, o professor mostra que não há uma diferença tão grande entre o convívio social e o escolar, sem esquecer as tarefas.”
Ela também atenta para o fato de que a escola não pode deixar de refletir sobre ocorrências inesperadas, não de lazer, que podem ter acontecido nas férias. “Como doença, morte em família ou até a separação dos pais. Na verdade, a escola precisa apropriar-se da história do aluno para, inclusive, planejar como lidar com o ocorrido sem interferir no desenvolvimento dele. Uma fatalidade não pode ser olhada exclusivamente pela história de vida do professor pois, às vezes, na melhor das intenções, ele acaba excluindo a criança que viveu algum problema, pensando em poupá-la. E isso não é certo.”
A psicóloga explica que o aluno deve sempre ser integrado ao grupo pois esse é o melhor caminho para ele superar qualquer dificuldade.
Carinho – O acolhimento não deve ser confundido com expressão de carinho por parte dos educadores, explica Cisele. “O carinho é super importante desde que seja verdadeiro, autêntico. Mas a verdade é que ninguém gosta de todo mundo igual. As demonstrações de carinho devem respeitar isso. É importante receber todos de forma igual. As crianças não se incomodam com isso. Elas se incomodam com a falsidade.”
No caso das crianças da educação infantil, “que são pequenas, são gracinhas, bonitas, as professoras gostam mesmo de abraçar, de demonstrar cuidados maiores”. “Mas neste caso elas estão sendo autênticas pois as crianças pequenas inspiram carinho e no infantil não há apenas a professora há também a assistente dividindo as atenções.” A questão, para Cisele é com os alunos do ensino fundamental, que já são questionadores e, às vezes, menos disciplinados. A demonstração de carinho nesta situação não é tão importante quanto a boa recepção, a preocupação com a adaptação e com um acolhimento igual para todos.
O acolhimento pode definir o futuro do aluno na escola. “Se ele não for acolhido, bem-vindo, isso pode gerar uma situação radical.” O estudante precisa entender o jeito, a cultura escolar, para nunca ficar deslocado, afirma a psicóloga. A criança precisa estar consciente de que o ambiente escolar pode funcionar de maneira diferente da casa dela.
Portanto, de acordo com Cisele, o professor precisa explicar muito bem as normas de funcionamento da escola, para que as crianças entendam, por exemplo, a hora certa de ir ao banheiro, de falar, de brincar, de se concentrar, como usar um talher na merenda e, assim, evitar situações que gerem conflito com a escola durante o processo de adaptação.
Para todas as idades – Não há idade para o acolhimento. Os professores devem ter em mente que a palavra adaptação foi substituída pela palavra acolhimento. “E os novos alunos, de qualquer idade, em qualquer situação, precisam ser acolhidos. E o acolhido precisa ter oportunidade de mostrar o que sabe, de expor suas expectativas, precisa ficar ciente das normas. Por isso, o professor precisa conhecer mais os alunos, para saber onde eles querem chegar.”
O acolhimento, para Cisele, envolve toda a transição da criança, de casa para a escola. E começa já na decisão dos pais de matricular o filho em uma determinada escola. “Na primeira informação que é dada aos pais já começa o acolhimento da família. Isso precisa ser preparado, é importante haver material impresso com todas as informações importantes. A entrevista com os pais é fundamental.”
E para a psicóloga, esse processo também deve ocorrer na escola pública. “Não deve nunca haver estranhamento com os pais que vêm se informar sobre a formação dos professores, sobre a escola. Na rede privada, as famílias têm um leque de opções que aproximam a escola da educação que é dada em casa. Elas podem decidir se a escola será construtivista, montessoriana, religiosa,
laica, enfim têm opções. Na escola pública é diferente e por isso deve prevalecer a boa recepção e a transparência das relações”
Cisele diz acreditar que em alguns casos os pais não sabem avaliar a escola pública. “Há escolas que entregam a criança na porta e não dão satisfação. Às vezes, os pais não conseguem identificar que um determinado problema com a criança é da escola – que não realizou o acolhimento corretamente, que não adaptou o aluno – e já culpam o filho, dizendo que ele é o problema.
Se há 40 crianças em uma sala de aula e uma delas é tímida, ela precisa ser entendida.” Para Cisele, os pais precisam ter ciência que a escola pública é um direito para seus filhos e é também um direito que pode ser questionável.
Enfim, a psicóloga Cisele Ortiz defende que a sociedade precisa valorizar o acolhimento e entender a importância das mães, pais ou responsáveis participarem do processo da adaptação dos filhos na escola. É o momento dos pais transferirem uma parcela da responsabilidade da educação para a escola e da criança deixar a segurança do lar. “Há crianças que choram, que não comem, que não dormem. A mãe (ou o pai, ou responsável) precisa estar presente na transição da casa para a escola. Esse adulto precisa ter o direito de liberação do trabalho para participar desse momento tão importante de acolhimento e de adaptação do filho na escola”, concluiu.


* FONTE: Diário na Escola, AGO/2003 (http://www.formaremrede.org.br/biblioteca/0011.pdf)

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