domingo, 19 de agosto de 2012

BARULHO, RUÍDO, SOM E SILÊNCIO



A ESCUTA MUSICAL COMO CONTEÚDO DE APRENDIZAGEM
Carlos Silva
Pensar sobre o que diferencia os eventos que dão título a este texto é uma tarefa que pode oferecer boas pistas de como tratar o trabalho de musicalização na educação infantil. O uso ordinário e cotidiano destas expressões acaba por plasmar as nuances de significados que podem colorir uma reflexão e, sobretudo, nossa vivência com barulho, ruído, som e silêncio.
Nesse momento, o silêncio será preterido para que possamos centrar um pouco mais nossa atenção sobre os outros elementos, muito embora seja quase que unânime a noção da dependência entre eles. Aliás, o silêncio é quase sempre concebido como a ausência de algo. Seria um exercício instigante pensá-lo como a presença de algo que não o que normalmente se entende como seu oposto, isto é, uma manifestação sonora qualquer.
Interessante perceber nos encontros de formação cujo tema foi “escuta ativa e exploração musical” que, de uma maneira geral, as expressões “barulho” e “ruído” carregam uma conotação de incômodo, muito frequentemente associadas a distúrbios quantitativos em relação à expressividade ou organização de linguagem, consequentemente indesejável e, tanto quanto possível, evitável. Ao passo que a expressão “som” traz uma imagem positiva ou, no mínimo, de concessão. No entanto, do ponto de vista da definição da física acústica qualquer fenômeno acústico é som, seja o resultante da execução de uma melodia de Bach ao violino ou o de uma britadeira num canteiro de obras. Por outro lado, um toque de celular com a melodia do Carinhoso de Pixinguinha que irrompe em meio a uma sessão de meditação pode constituir um ruído traumático e pesaroso.
Desenvolver e alimentar essa discussão com as professoras nos encontros foi muito controverso, porém, produtivo. A produção sonora das crianças na educação infantil está comumente vinculada a barulho e ruído, e som, via de regra, é relacionado a algo exterior à produção delas. Nos relatos das professoras é bastante constante a menção ao som da música do CD, dos passarinhos, dentre outros.  Por em foco que na contemporaneidade a produção musical é contextual foi revelador, principalmente quando pensamosna importância de assumir a expressão sonora da criança como sendo potencialmente musical, desde que seja realizado um trabalho consistente de observação que fundamente propostas planejadas de intervenções que levem ao desenvolvimento da sensibilização musical.
Os trabalhos pessoais sobre o desenvolvimento dos temas propostos nos encontros de formação revelaram evidências do tema acima exposto. As próprias participantes reconheceram que, subliminarmente, tratam a questão dessa maneira. A professora Ana Paula F. Manocchi Molinari do CEI Parque das Paineiras conclui uma reflexão sobre a proposta de trabalho de exploração sonoro-musical da seguinte maneira: “O CEI tem uma limitação no tempo, consequência da rotina. O que não pode permanecer é o pensamento a respeito da bagunça, do barulhoe, muitas vezes, que as crianças não vão conseguir realizar as atividades plenamente”. No entanto, ao relatar o desenvolvimento da mesma atividade em outra parte do Trabalho Pessoal, ela se refere da mesma forma ao que as crianças estavam fazendo:
“Feita a roda de conversa iniciamos a distribuição de materiais, que na verdade gostaríamos que tivessem sido escolhidos pelas crianças, (...). Eles fizeram bastante barulho! Quando comentamos esse aspecto no encontro, ela mesma percebeu que esta passagem é difícil de ser conscientizada e assumida de maneira consequente. Nem mesmo a dimensão positiva é fácil de ser consciente. Ela mostrou a gravação da proposta e, no desenrolar dos acontecimentos, deixa de se referir à execução das crianças como barulho e passa a usar expressões como som e música. No entanto, a professora não havia reparado nesse fato, bastante notório para quem assiste à gravação com foco em como são percebidos e interpretados os eventos “som, barulho e ruído” na perspectiva que estamos apontando aqui. “      
Outro exemplo é o da professora Carla Rodrigues Ávila Garrote da EMEI Maria Vitória da Cunha. Na proposta desenvolvida por ela com seu grupo, a partir do tema exploração sonora de objetos presentes no cotidiano, relata: “Nesse primeiro momento exploraram o espaço da sala, movimentando-se livremente e utilizando os materiais que quisessem para produzir sons. Rapidamente encontraram o que queriam e começaram a fazer aquele “barulhão”. Já no relato e avaliação da proposta seguinte, referente à construção sonora a partir de cotidiáfonos e instrumentos construídos, usa apenas expressões como: som, resultado sonoro conseguido, sons pesquisados, apresentação para o grupo com o respectivo som, dividiram-se em grupos com materiais de sons parecidos, e por aí vai.
Foi muito perceptível a transformação de perspectiva com relação ao significado desses termos e as possíveis consequências que podem advir do aprofundamento da consciência e da mudança de paradigmas do que seja música, produção e construção musicais, no que diz respeito ao que é reconhecido social e culturalmente, mas principalmente no que se refere à inserção pedagógica dessas mudanças na abordagem da ampliação da musicalidade das crianças.


PAISAGEM SONORA
Liliana Bertolini

A professora Ivone Aparecida Lima Freitas, da EMEI Recanto Campo Belo da DRE Capela do Socorro realizou o “passeio sonoro”, uma proposta para ouvir a sonoridade do ambiente.  
Ela nos conta sua experiência no relato a seguir:
“A primeira proposta consistia em parar para ouvir a sonoridade do ambiente. Após a sensibilização para a escuta dos sons que são ouvidos, na sala de aula de olhos fechados e relatar os sons ouvidos, as crianças foram convidadas a passear pela escola e parar em diversos ambientes como o pátio, a cozinha, a secretaria, para ouvir e relatar os sons ouvidos.
Em seguida, as crianças desenharam os sons da escola. Por fim, propus que conversássemos sobre isso na roda de conversa: Quais os sons que vocês mais gostaram? Quais os sons que foram desagradáveis? E qual foi o som mais forte e o mais fraco que pudemos perceber durante esse passeio?
A ação reflexiva construída juntamente com as crianças trouxe uma certa consciência da qualidade sonora do ambiente e uma possível transformação na direção de uma melhora da paisagem sonora da unidade escolar. Além disso, envolvem aprendizagens como o desenvolvimento da memória auditiva, da distinção de diferentes timbres (qualidades) e intensidades de som, que fazem parte de conteúdos específicos do Ensino Musical.”
Para essa proposta foram necessários alguns passos para prepará-la, como pensar qual o local adequado e em que momento do dia ela seria realizada. Para isso, é preciso que o professor conheça sua turma e experimente fazer essa atividade mais de uma vez, em momentos e locais diferentes. No relato
dos professores de CEI e EMEI que aplicaram essa proposta com as crianças notamos a surpresa com o envolvimento que elas demonstram e a alegria ao participar da escuta e comunicar os sons ouvidos por elas. Com o tempo, elas demonstram incorporar essa atitude da escuta e a manifestam em situações de brincadeira, roda de histórias, no refeitório, entre outras.
Outro aspecto importante para o professor é lembrar que a fala e a audição caminham juntas, e neste momento ele poderá observar se as crianças estão ouvindo bem.



sexta-feira, 17 de agosto de 2012

DICA LITERÁRIA


ANINHA, A PESTINHA
MICKELBURGH, Juliet Claire
Companhia das Letras

SINOPSE:

Aninha era sempre uma gracinha - pintava que era uma gracinha, cantava que era uma gracinha, e todo mundo só dizia: “Que gracinha, a Aninha!”. Mas, irritada com a situação, um dia resolveu passar a fazer só abobrinha. Falava de boca cheia, subia na cadeira, rabiscava a mesa inteira, pintava as paredes de casa, respondia para os adultos, só aprontava confusão! Logo, logo, para todos tinha virado “a pestinha”. Foi aí que ela percebeu que não queria ser nem uma coisa nem outra: queria mais ser ela mesma, só a Aninha.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

ERA UMA VEZ UM PANO QUE NÃO QUERIA SER PANO



A EXPLORAÇÃO DE OBJETOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Marina Marcondes Machado



Você sabia que … o modo animista de olhar o mundo é a chave de todo o teatro de animação, bem como elemento fundamental em diferentes artes, incluindo desenhos animados e cinema?
Na formação de professores em 2010, o experimento apelidado por nós “Era uma vez um pano que não queria ser pano” foi, das quatro experiências propostas no curso “Práticas teatrais junto a crianças de zero a seis anos”, o mais bem sucedido. Foi proposto para professores de CEI e EMEI que realizassem o seguinte experimento teatral:


Primeiro experimento (Materiais)
Descrição: Pegue um pedaço de pano, que poderá ser uma fralda ou uma toalha, desde que não tenha desenhos ou imagens figurativas. Explore pela movimentação as possibilidades de transformar o pano em outros objetos.
Como eu faço: Dobrando, amassando, esticando, prendendo no corpo... e essas ações transformarão o pano em outros objetos, tudo menos toalha ou fralda.

Para CEI:  Esta proposta será desenvolvida pelo professor narrador, que poderá criar uma história que propõe a transformação do pano. Outra possibilidade é de exploração desta transformação com o apoio de uma música como trilha sonora, que promova diferentes movimentos e, consequentemente, novos modos para o pano.
No decorrer deste experimento por parte do professor, observe a reação das crianças. Terminada a ação do adulto, ofereça um pano para cada criança explorar, e registre as formas pelas quais ela movimentou o pano. Não dê qualquer orientação para as crianças, mesmo que o movimento delas não vá para a direção esperada.

Para EMEI: Para as crianças de EMEI, ofereça um pano para cada uma e explore a movimentação dos mesmos. Crie, junto com as crianças, uma narrativa da transformação do pano.
Esta história narrada pela professora junto com os alunos será acompanhada pela movimentação e novas ideias das crianças.

A expectativa dos formadores era de que, até o final do curso: a professora percebesse que algumas brincadeiras, especialmente as de faz de conta, são passíveis de se chamarem “teatro”; que ela não precisa esperar um “jeito certo” de realizar a atividade teatral proposta – uma vez que o pano poderia virar qualquer coisa - que a brincadeira seria vista como um desvio de percurso, ou seja, que as professoras compreendessem a íntima relação entre faz de conta e prática teatral; e que a hipótese de dar vida a um pedaço de pano fosse uma forma de aproximação com a linguagem, sentimento e pensamento infantis. É a isso que a Psicologia chama animismo.
Agora, a partir também do registro em fotografias das crianças do B II fazendo o teatro do “pano que não queria ser pano” do CEI Jardim Shangrilá, professora Elisângela Aparecida de Freitas, vamos procurar discernir como e por que esta experiência teatral foi tão bem sucedida. Se a princípio as professoras estranham a abordagem fictícia do exercício que quer dar voz a um pano, inclusive fazendo-o não querer “ser” o que ele era – um simples pano! – quando trabalharam junto às crianças, perceberam sua adesão imediata. Do nosso ponto de vista a adesão imediata se dá pelo inusitado do jogo, bem como por uma espécie de animismo que o pensamento sincrético e polimorfo da criança pequena revela.
Quem sabe cada criança pequena já se sentiu, ela mesma,“tudo menos uma criança pequena”? Isso também dá significação para a alegria dos rostos e da viva corporalidade de cada um nas imagens fotográficas, e poderíamos então dizer que as crianças identificam-se com o pedaço de pano: no momento do exercício, algo próprio da criança se presentifica no pano. Uma professora fez o experimento com folhas de papel sulfite:

“Era uma vez um papel que não queria ser papel… ele estava triste…”, e entregou uma folha para cada um; a criança, ao fazer uma pequena dobradura, que seria de um passarinho, pergunta para sua professora:
“Agora o papel está mais feliz?” Nesta condução, a professora no papel de narradora “deu emoções” para o papel; pensamos que melhor seria que o papel ou o pano “quisessem” e “precisassem” se transformar: simples assim. E que as emoções surgissem das interpretações das crianças para como e por que um pano não quer ser pano.
Nesse sentido a palavra-chave deste exercício é transformação. Elementos conjugados de transformação e animismo fazem desta aula de iniciação às práticas teatrais um grande sucesso junto a crianças de zero a seis anos.

“O animismo não é algo que desapareça com a idade”
(…) Falar de animismo é falar de afetividade, pois o
animismo é um laço (afetivo) que se cria entre
o homem e o mundo. Tal laço não desaparece com a
idade e é ele que possibilita que o imaginário de cada
um se construa.
(…) Pelo animismo o mundo transforma-se,
ou melhor, é outro desde o início, pois o animismo
guia-se pela afetividade e esta “não pensa o ser
como objeto, vive-o”.

(…) Só quando o educador se ventura no caminho
do imaginário, quando o reconhece como sendo
diferente do da objetividade científica, do da
percepção e ainda do dos conceitos do senso
comum, quando se dispõe a ler e a falar a
linguagem que lá se fala, que é essencialmente
afetiva, quando deixa que as imagens que o habitam,
procurem, afastem, abracem, destruam outras imagens,
isto é, se mantenham vivas, só então o educador
habitará o espaço da ilusão e acreditará no
Fantoche – um dos seus habitantes –
COMO ALGUÉM.”
In O Fantoche Que Ajuda a Crescer
Isabel Alves Costa & Felipa Baganha



Para que as crianças possam viver experiências de “ser”, “imaginar”, “criar”, é preciso que seus professores priorizem isto. Um trabalho assim só pode se desenvolver se o professor for alguém profundamente interessado em compreender como as crianças pensam, o que elas dizem, o que fazem, como brincam e os temas que surgem em seu
repertório lúdico. (Orientações Curriculares: Expectativas de aprendizagens e Orientações didáticas para Educação Infantil/ SME-DOT-EI,São Paulo, 2007. p.128)


sábado, 4 de agosto de 2012

DICA LITERÁRIA

O GRÚFALO

SINOPSE:Usando de astúcia e imaginação, um ratinho vai criando um monstro terrível e assustador - o Grúfalo - e diverte-se espantando seus predadores. Mas, qual não é seu espanto ao ver sua imaginação personificada à sua frente. 'O Grúfalo', de Julia Donaldson, é uma divertida fábula sobre os poderes da nossa imaginação. As bonitas ilustrações, de Axel Scheffler, complementam a graça do texto e convidam a acompanharmos o ratinho em seu passeio pela floresta.

PS: Olhem o que encontrei no site YouTube:


quarta-feira, 27 de junho de 2012

DESENHO: EXPRESSÃO DE LINHA E MOVIMENTO


Vemos que quando brinca, a criança traça linhas e deixa suas marcas no espaço, expressando as diferentes maneiras como olha e compreende o mundo. Portanto, observar as linhas, pesquisar sua movimentação é parte do trabalho do desenho.
Mas, a atividade de desenhar envolve mais do que colocar uma ideia no papel. Muitas vezes, a ideia surge ao desenhar, vem da observação dos traços, da movimentação, da expressão gestual. Essa é a perspectiva que encontramos na proposta elaborada pela professora Flávia Kioko Alexandre Ito. Vamos ver como Flavia pensa no desenvolvimento corporal das crianças em relação às experiências de desenhar.
Ao registrar a pesquisa de materiais gráficos e suportes inusitados, uma atividade realizada com seu grupo, a professora Flavia relatou o seguinte: “Primeiramente, organizei na mesa alguns materiais e suportes: sulfite, cartolinas, colorset, laminado, papelão ondulado, papel cartão (diversas cores), revistas, lápis de cor, giz de cera e canetinhas.
Conversei com as crianças, explicando que poderiam escolher o tipo de papel, o tipo de lápis para fazer o desenho e que poderiam desenhar como quisessem. Em grupos, elas se deslocavam até a mesa para escolher os materiais. Ao pegar papel de cor preta, experimentavam as cores que podiam ser boas para desenhar sobre preto: muitas já sabiam que o lápis e o giz branco produzem riscos mais fortes, que aparecem mais. Então, experimentavam as possibilidades desses materiais, explorando maneiras de usá-los, investigando como esses materiais riscam os suportes, trocando informações com os outros colegas.”
Nesse registro, percebemos que a partir do que foi preparado pela professora, as crianças tiveram possibilidades de escolher como gostariam de desenhar. E como a professora poderia contribuir para os avanços nessa produção? Ao observar o que foi desenvolvido pelas crianças, o que já sabiam e o que buscavam descobrir, a professora Flávia procurou registrar essas experiências e planejar a continuidade da sequência das atividades.
Sua intenção era apontar caminhos para cultivar o desenho das crianças, proporcionando-lhes experiências visuais transformadoras. A seguir, acompanhamos um pouco desse processo de construção do planejamento
da professora Flavia. Ela nos contou: “Na primeira vez que ofereci esses materiais, muitas crianças desenharam sentadas em suas cadeiras, utilizando as mesas para apoiar o papel. Outras descobriram novas soluções corporais: em pé, de joelhos utilizando a cadeira como apoio. Num outro dia, ofereci os mesmos materiais e sugeri que desenhassem sentadas no chão. Elas acharam meu pedido estranho, mas eu expliquei a elas que desenharíamos para experimentar. Foi muito interessante, pois observei que até mesmo para desenhar, a expressividade corporal se faz presente.”
No fragmento abaixo podemos ver como a professora Flávia continua propondo desafios e problemas a seu grupo e aponta, ainda, a dimensão lúdica ligada à experiência. Ela nos conta: “organizamos alguns materiais na mesa e prendemos cartolinas na lousa para que desenhassem ali mesmo. Conversamos como poderíamos desenhar de um modo diferente, por exemplo: como desenharíamos sem usar as mãos? O que poderíamos utilizar para realizar os desenhos? As crianças responderam que poderíamos utilizar a boca, os pés e a cabeça. Eles se divertiam muito, como se fosse uma brincadeira, um jogo”.
Chama a atenção a forma como a professora construiu relações entre as experiências com a expressividade das linguagens artísticas, com foco no desenho, e as experiências de exploração da linguagem corporal visando promover possibilidades do gesto do desenho.
Os registros dessa professora podem ser inspiradores para outros professores na medida em que relatam como é possível explorar a linguagem do desenho de crianças pequenas e sua relação com outras linguagens. Mostra como se cria condições para esse processo de construção de sentidos, enriquecendo um espaço mais criativo para o surgimento das narrativas infantis.



“As pessoas sem imaginação podem ter tido as mais imprevisíveis aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas... Nada lhes ficou. Nada lhes sobrou. Uma vida não basta ser vivida: também precisa ser sonhada .”
Mário Quintana, em Caderno H.20 Cadernos da Rede


*texto de: Cinthia S. Manzano

terça-feira, 26 de junho de 2012

DICA LITERÁRIA


HORA DO ALMOÇO
BRENMAN, ILAN
CIA. DAS LETRINHAS


SINOPSE: 
Todos aqueles que convivem com crianças sabem da dificuldade que é a hora de comer: há aqueles que não comem legumes, outros que não gostam de feijão, os que querem brincar com os alimentos... A questão é tão universal quanto a brincadeira com as "garfadas-veículo". O escritor Ilan Brenman criou várias garfadas - as esportivas, as animais, as aeronáuticas e as fantásticas - para animar as crianças e ajudar os pobres pais. Conheça todas elas, em um livro recheado de boas ideias para refeições bem mais divertidas!

POSSIBILIDADES DO DESENHO PARA ALÉM DO LÁPIS E PAPEL


O lápis de cor e o papel são os materiais mais tradicionais entre as crianças, presentes em todas as unidades de educação infantil. É possível desenhar sem lápis e papel? Um desenho e uma linha, pensados além da maneira tradicional de desenhar, rompem com a ideia de que a produção artística deve ser apenas observada. O desenho entra em contato com o corpo: corpo de quem produz, de quem vivencia o desenho. As linhas passam a existir também em outros espaços e criam novos ambientes.
Esta maneira de pensar o desenho propõe a interação das crianças e adultos com o trabalho desenvolvido pelos pequenos. Pensar sobre a relação do desenho com o espaço e as diversas possibilidades de construí-lo pode aproximar a produção infantil da arte contemporânea por meio do processo vivido. Ao ampliarmos nosso olhar para o que pode ser considerado desenho na arte contemporânea, encontramos uma diversa gama de possibilidades para o que pode ser chamado de “linha desenhada”, desta maneira, vamos conhecer o trabalho da professora Gabriela Maria Telo, da EMEI Parque Cocaia II, que caminha inspirado nesse pensamento. Ela propõe às crianças de seu grupo uma pesquisa de linhas que não são as riscadas no papel e suas relações com os espaços. Com o objetivo de pesquisar a linha matérica e transformar o espaço do desenho, a professora ofereceu ao grupo de crianças alguns rolos de barbantes.
Iniciou a proposta com uma roda de conversa sobre a atividade que seria desenvolvida, explicou para a turma que fariam desenhos sem utilizar lápis, canetinhas, tinta ou qualquer outro material riscante. Colocou ainda para seus aprendizes que o espaço organizado para este trabalho seria a sala de aula.
Para o primeiro momento desta proposta, foi planejado criar um desenho único pelo espaço com o envolvimento de todo o grupo. A professora, então, perguntou para as crianças como poderiam concretizar esta ideia e várias sugestões surgiram: “É só colocar o barbante no chão e fazer o desenho com ele” – diz uma criança -, “a gente pode ficar segurando”.
Outra criança sugeriu o desenho de um grande foguete pelo espaço. Os alunos gostaram desta ideia e a partir das sugestões dadas pelo grupo foram desenhando juntos, imaginando, expressando movimento no ar.
Em seguida, a professora dividiu a turma em pequenos grupos e ofereceu pedaços de barbante para cada participante. O desafio, agora, seria criar outros tantos desenhos pelo espaço com esses pedaços de linha. A partir desse momento, a sala de aula transformou-se em um território lúdico habitado pelos desenhos das crianças.
Interessante notarmos como essa proposta foi capaz de promover a pesquisa das espacialidades, transformar ludicamente o espaço além de alimentar a criatividade e curiosidade infantis. Considerando que a sensibilidade visual pressupõe a percepção do espaço, nesta proposta as crianças foram autoras desse “espaço desenhado”, relacionando a linha com a  arquitetura e os objetos tridimensionais que ocupavam a sala.
A proposta de trabalho com a linha matérica foi [apresentada aos professores no curso sobre Percursos Criativos do Desenho. Flávia, professora da EMEI Antônio Gonçalves Dias, ficou curiosa com a discussão promovida em seu grupo e levou a ideia para a sua escola. Ela nos conta: “Propus que brincássemos com linhas de barbantes e de lãs. Ao brincar com as linhas, ao explorar o material, as crianças perceberam que poderiam criar desenhos sem usar os lápis e acharam muito divertido, logo se envolveram no jogo de desenhar. Manuseando-as sobre a mesa, organizaram desenhos de vários objetos. Organizando e reorganizando, elas iam desmanchando e contornando outros objetos, se deliciando ao perceber que poderiam criar com sua imaginação inúmeras figuras. Em outro dia, sugeri que brincássemos com o barbante espalhando-o pelo espaço, podendo criar construções tridimensionais, como por exemplo: cabanas, casinhas, labirintos, etc.” O exemplo da professora Flávia mostra como é possível às crianças transformar o espaço com o desenho,  explorando a linha matérica.
Por meio do uso de materiais cotidianos como o barbante, as cadeiras e a arquitetura da sala de aula a professora organizou os materiais e os espaços como estratégia para sensibilizar o grupo de aprendizes para esta nova maneira de perceber o desenho e desenhar.
O que foi planejado pela professora teve o foco no processo do trabalho, desta maneira, além de aproximar a produção das crianças com os processos criativos propostos na atualidade,
legitimou a marca da produção infantil ao proporcionar um olhar sensível para os desenhos produzidos pelo grupo, que expandiram seus gestos para fora dos limites do papel.


“Desenhar é várias coisas.
É lançar a linha no espaço, anarquicamente, mas com aquela
ordem interna que só quem faz sabe.
É estabelecer um continente, que aparentemente
não contém nada, mas onde pode caber tudo
(e onde cabe o vazio que é nada e tudo ao mesmo tempo).
É criar relações entre coisas, dando pesos e valores.
É falar de objetos e fazê-los falar.
E finalmente é lançar um olhar para a realidade, procurando e
achando significados.”
Ester Grinspum

* Texto de: Sheila Christina Ortega

    

segunda-feira, 25 de junho de 2012

PERCURSO CRIATIVO NO DESENHO





PERCURSO CRIATIVO NO DESENHO
Silvana Augusto

O desenho, ao contrário do que muitos pensam, nem sempre é figurativo. O desenho de figuras, tão valorizado pelos adultos, é fruto de um processo intenso de exploração e de muita pesquisa tanto gestual quanto visual.
Quando bem pequenas, as crianças ainda não têm desenvolvido a noção de permanência do objeto. Para um bebê, os objetos não existem separadamente, não existem senão quando está diante dele, em um dado momento. Isto, que é uma característica própria do desenvolvimento infantil, não representa uma limitação. Vale lembrar que os primeiros anos da vida de uma criança encerram uma fase de grande desenvolvimento motor, importante para a construção das condições necessárias ao domínio do conhecimento do mundo simbólico e a aprendizagem das linguagens.
Nessa fase da vida é a inteligência sensório motora que ganha espaço nas experiências infantis. Então, pintar ou mesmo rabiscar são, para a criança pequena, puro fazer, prazer do movimento.
Para a criança pequena, não está em jogo a representação, o desenho propriamente dito, importa apenas o prazer de brincar com seu próprio corpo e interagir com os materiais, seus pares e o adulto que é sua principal referência no CEI. Por isso a pintura é tão significativa para os menores. A plasticidade do material é um convite para o fazer mais próprio da faixa etária. O percurso desta linguagem começa muito cedo e pode ser alimentado no CEI, durante os anos que marcam a passagem da criança na instituição.
Os gestos estão fortemente presentes na pintura infantil, mas também aparecem na produção gráfica, apontando para um percurso bem diferente. O gesto também aparece marcando a superfície desde os primeiros rabiscos da criança. O desenho propriamente dito aparecerá no percurso infantil um pouco mais tarde e, contrariando o que muitos educadores costumam pensar, não é intencional desde o início. Ao desenhar, a criança brinca: na maioria das vezes, sobretudo quando é pequena, não sabe ao certo o resultado desta ação, mas isso não importa, pois é o convite parabrincar com os meios (tinta, giz de cera, carvão etc.), materiais (pincéis, rolinhos, esponjas etc.) e suportes (papel, papelão, chão, parede etc.) que realmente lhe interessam. A brincadeira pode resultar em uma figura ou não.
Ao brincar desenhando ou desenhar brincando, a criança vai descobrindo novos prazeres e desafios dessa experiência, novas formas de se relacionar com o mundo. À medida que as crianças adquirem domínio sobre seu corpo e os movimentos que ele produz, vão conquistando a condição de atuar sobre a plasticidade da matéria. Logo percebem que seus gestos produzem marcas estáveis. E então, aquilo que já fora puro fazer, gesto no espaço, um movimento tão característico das crianças até 2 anos, vai se constituindo como um desenho.

domingo, 24 de junho de 2012

MODOS DE OLHAR O DESENHO NA EDUCAÇÃO INFANTIL




Modos de olhar o desenho na  Educação Infantil
Sheila Christina Ortega e Cinthia S. Manzano

 O desenho é uma das linguagens mais associadas às atividades infantis e tradicionalmente está presente na educação infantil. Muitos são os estudos sobre o desenho da criança, com diferentes abordagens: há, por exemplo, uma tendência pedagógica que relaciona a produção infantil à expressão dos sentimentos, das emoções e dramas internos das crianças. 
Os estudos que embasam esse modo de olhar o desenho têm sido úteis à análise psicológica, quando feita por especialistas clínicos. Não é esse o caso da escola. Como, então, podemos olhar o desenho da criança na educação infantil?
Podemos considerar o ato de desenhar como a marca de uma trajetória. O desenho pode ser o registro de um movimento que aconteceu num pedaço de papel, um risco no muro, o caminho percorrido por um veículo ou o percurso que o nosso corpo desenvolve no espaço enquanto nos movimentamos. Pode ser uma brincadeira visual repleta de sentidos. 
É interessante pensar que por meio do desenho imprimimos nossa marca e delineamos nossa individualidade. Desse ponto de vista, o desenho pode ser visto como marcas, registros, vestígios. Mas não só isso. Desenhar é também uma forma de se aproximar das linguagens artísticas. Produzir arte implica em olhar para o mundo de maneira curiosa, fazer perguntas, procurar formas de entender os acontecimentos e estabelecer relações. Na educação infantil, as crianças não produzem arte o tempo todo, mas as experiências que elas tem com a linguagem do desenho as envolvem em um intenso processo de imaginação e criação. Esse processo está ligado ao desenvolvimento da sensibilidade estética, do fazer artístico e da construção de narrativas.  

Toda criança desenha


Tendo um instrumento que deixe uma marca: a varinha na areia, a pedra na terra, o caco de tijolo no cimento, o carvão nos muros e calçadas, o lápis, o pincel com tinta no papel, a criança brincando vai deixando sua marca, criando jogos, contando histórias.
Desenhando cria em torno de si um espaço de jogo, silencioso e concentrado ou ruidoso seguido de comentários e canções, mas sempre um espaço de criação lúdico.
A criança desenha para brincar [...].[...] Entendendo por desenho o traço no papel ou em qualquer superfície, mas também a maneira como a criança concebe seu espaço de jogo com os materiais de que dispõe.


[...] O que é preciso considerar diante de uma criança que desenha, é aquilo que ela pretende fazer: contar-nos uma história e nada menor do que uma história. Mas devemos também reconhecer, nessa intenção, os múltiplos caminhos de que ela se serve para exprimir aos outros a marcha dos seus desejos, de seus conflitos e receios. Porque o desenho é para a criança uma linguagem como o gesto ou a fala.A criança desenha para falar e poder registrar sua fala.
Para escrever.(Ana Angélica Albano Moreira – O espaço do desenho: a educação do educador. Ed. Loyola, 1995. Cap. 1 “O desenho da criança”.)


A atividade de desenhar também pode ser vista como uma forma de criar limites, sejam eles reais ou imaginários. Atividade que permite construir novas estruturas no espaço, inventá-los. Cada criança possui diferenças individuais ao organizar seu espaço de brincadeira e construir seus desenhos. A criança desenha para brincar e, ao fazer isso cria ao seu redor um espaço de jogo. Por isso, podemos dizer que é desenho até mesmo o modo como a criança organiza seus brinquedos, por onde andam seus carrinhos e como organiza os gravetos e folhas ao brincar no parque. Quando proporcionamos bons espaços e boas oportunidades para a criança brincar enquanto desenha, a criação e a expressão acontecem globalmente: o corpo participa da criação. E é também nesse sentido que se pode entender o desenho como movimentação e atitude infantis uma vez que o gesto, ao tornar-se exercício para a individualidade, apreende desenho também como atitude.
Se dermos às crianças a mesma liberdade no processo artístico que lhes damos em suas brincadeiras, as crianças chegarão a excelência no aprimoramento do processo criativo. A
Em todos esses casos, é importante ao planejamento da educação infantil garantir que a criança possa escolher como se expressar. O adulto precisa estar atento, percebendo seus sinais não para direcionar ou adequar o desenho da criança a uma norma ou padrão estético, mas sim para alimentar o processo de investigação artístico que é tão caro às crianças. Dessas investigações e descobertas é que nascem as interações, um processo dinâmico que proporciona o desenvolvimento da linguagem artística e o cultivo da curiosidade infantil.
No trabalho educativo de crianças pequenas, é muito importante que o professor crie contextos para a exploração dos processos ligados à produção artística. Nesse sentido, pode organizar propostas de atividades que despertem a curiosidade das crianças e o olhar investigativo sobre diferentes aspectos da vida cotidiana: como posso expressar o que sinto, o que desejo, como vejo e me relaciono com o outro, uma ideia etc.


* fonte: http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Projetos/BibliPed/Documentos/Publicacoes/Cad_Rede/cinco%20atualizados/Desenho_grafica.pdf

quinta-feira, 31 de maio de 2012

A IMPORTÂNCIA DO LIMITE



Saber dizer “não” é, segundo os especialistas, um dos aspectos importantes e saudáveis da educação de crianças e adolescentes.
Uma das maiores dificuldades na educação de uma criança consiste na tarefa de saber dosar amor e permissividade com limite e autoridade. Todos têm consciência da importância de impor limites, mas o fato de saber disso não é suficiente para fazer desta uma tarefa fácil. Os pais frequentemente se deparam com muitas dúvidas: Estou agindo certo? Onde eu errei? Por que ele não me obedece?
É importante analisar como a noção do proibido vai se constituindo ao longo do desenvolvimento infantil para compreender melhor o comportamento da criança. Ela, até o fim do primeiro ano de vida, obedece ao princípio primordial da vida humana: o princípio do prazer. Por isso procura apenas fazer o que lhe causa satisfação e tenta fugir do que é vivido como algo desprazeroso. Nesse estágio, ela age por impulso instintivo. Esse é o primeiro sistema de funcionamento mental, o mais primitivo e existente desde o nascimento do indivíduo, que é denominado pela psicologia de id.
O id é essencialmente impulsivo – age primeiro e pensa depois. É imperioso, intolerante, egoísta e amoral; é agressivo, sexual, destrutivo, ciumento, enfim, é tudo que existe de selvagem em nossa natureza. Assim, a criança quer fazer tudo o que lhe vem à mente: deseja o que vê, imita o que fazem ao seu redor e tem permanentemente insaciável e ativa a sua curiosidade que, freqüentemente, aborrece, preocupa e constrange as pessoas. Ao mesmo tempo, essa impulsividade é uma das necessidades mais prementes em seu desenvolvimento, que, quando reprimida, gera crianças sem brilho, apáticas, desinteressadas e rigidamente bem comportadas. A necessidade de tocar, apalpar, mexer, demonstrar, destruir, desfazer e tentar reconstruir objetos são atividades importantíssimas e fazem parte de sua forma de entrar em contato com o mundo externo.
A partir dos 18 meses, a criança começa a se opor para afirmar-se e existir por si mesma. É o início da fase do não, tão temida pelos pais, e que termina, na melhor das hipóteses, por volta dos três ou quatro anos. Nessa fase, trata-se de uma oposição sistemática, porém necessária à estruturação e organização de sua personalidade. Basta substituir o "não" por "eu" para se ter a chave do problema. Para uma criança, dizer "não" significa apenas: "Eu acho que não! E você?" Ela quer simplesmente uma resposta dos pais que, favorável ou não, terá, pelo menos, o mérito de indicar os limites. A partir dos três ou quatro anos, a criança passa, pouco a pouco, do "não" sistemático – modo de comunicação arcaico, mas necessário ao seu desenvolvimento – para o "não" refletido, que afirma seus gostos e escolhas.
Culpa e castigo
Desde cedo, a criança percebe que seu comportamento impulsivo, em vez de satisfação, freqüentemente acarreta uma censura por parte do mundo externo. Ela passa, assim, a dominar suas atividades instintivas. Como, acima de tudo, a criança deseja o apoio e a aprovação dos adultos e necessita imensamente deles, especialmente do pai e da mãe, começa a compreender que precisa controlar melhor seus desejos e impulsos. Ao conformar-se gradualmente com as imposições do meio ambiente (educação), controlando ou repelindo os desejos que não podem ou não devem ser satisfeitos, vai se estruturando o sistema moderador ou filtrador, o ego.
O ego faz com que a criança troque o princípio do prazer, que orientava suas atividades instintivas, pelo princípio da realidade, mediante o qual consegue adiar ou anular os impulsos que não são adequados ao meio em que vivem. O ego coloca-se como intermediário entre o id e o mundo externo, entre as exigências impulsivas e as restrições do meio.
A parte moral ou ética da personalidade se manifesta quando julgamos nossos atos na categoria de bom ou mau. Essas considerações dependem de um sistema de autocensura, denominado superego. O superego desenvolve-se a partir do ego, mediante a internalização ou incorporação dos modelos externos, das advertências e censuras.
O superego passa a atuar sobre a criança da mesma maneira que os pais: punindo-a quando se comporta mal e dando-lhe a sensação de bem-estar quando age corretamente. A punição assume um aspecto de sentimento de culpa ou de inferioridade, de angústia ou inquietação. A recompensa proporciona, por sua vez, orgulho, realização ou sensação de cumprimento do dever, ou seja, uma virtude.
Até dois ou três anos, a noção do proibido não lhe faz ainda muito sentido. Será preciso repetir-lhe muitas vezes o que ela pode ou não pode fazer, explicando-lhe em poucas palavras a razão dessa proibição. Somente depois dos três ou quatro anos a criança passa a compreender, cada vez melhor, as ordens dadas, começando a entender as noções de bem e de mal. E, a princípio, ela procurará obedecer aos pais somente para satisfazê-los.
As crianças, ao contrário do que se pensa, são muito preocupadas com regras. Parece que agir dentro de limites, cuidadosamente estabelecidos, oferece-lhes uma estrutura segura para lidar com uma situação nova e desconhecida.
É fundamental que os adultos tenham clareza de suas convicções e sejam fiéis a elas, pois, para os pequenos, eles são modelos vivos a serem seguidos. É por meio do convívio com essas fontes de referências que eles vão estruturando a sua própria personalidade.
A criança que não aprende a ter limite cresce com uma deformação na percepção do outro. As conseqüências são muitas e, freqüentemente, bem graves como, por exemplo, desinteresse pelos estudos, falta de concentração, dificuldade de suportar frustrações, falta de persistência, desrespeito pelo outro – por colegas, irmãos, familiares e pelas autoridades. Com freqüência, essas crianças são confundidas com as que têm a síndrome da hiperatividade verdadeira, porque, de fato, iniciam um processo que pode assemelhar-se a esse distúrbio neurológico. Na verdade, muito provavelmente trata-se da hiperatividade situacional, pois, de tanto poder fazer tudo, de tanto ampliar seu espaço sem aprender a reconhecer o outro como ser humano, essa criança tende a desenvolver características de irritabilidade, instabilidade emocional, redução da capacidade de concentração e atenção, derivadas, como vimos, da falta de limite e da incapacidade crescente de tolerar frustrações e contrariedades.
O pediatra e psicanalista britânico Donald Winnicott dizia: “É saudável que um bebê conheça toda a extensão da sua raiva. Na vida, existe o princípio do desejo e o princípio da realidade. Uma criança a quem se cede em tudo imediatamente, ‘a quem nunca se recusou nada’, como dizem os pais, suporta mal a frustração. Muitos desses pais que cedem sempre vêem o filho no presente, ao passo que aqueles que sabem dar sem mimar vêem o filho no tempo e no futuro. Eles lhe oferecem perspectivas, lhe mostram o valor do desejo e da espera, para melhor saborear o que é obtido.”
Maria Guimarães Drumond Grupi

quarta-feira, 16 de maio de 2012

LINDO TEXTO...

MÃES MÁS... 
Dr. Carlos Hecktheuer 


Um dia, quando os meus filhos forem crescidos o suficiente para entenderem a lógica que motiva os pais e as mães, eu hei de dizer-lhes: 
Eu os amei o suficiente para ter perguntado: onde vão, com quem vão e a que horas regressarão? 
Eu os amei o suficiente para não ter ficado em silêncio e fazer com que vocês soubessem que aquele novo amigo não era boa companhia. 
Eu os amei o suficiente para os fazer pagar as balas que tiraram da mercearia e os fazer dizer ao dono: "Nós roubamos isto ontem e queríamos pagar". 
Eu os amei o suficiente para ter ficado em pé junto de vocês 2 horas, enquanto limpavam o seu quarto; tarefa que eu teria realizado em 15 minutos. 
Eu os amei o suficiente para os deixar ver além do amor que eu sentia por vocês, o desapontamento e também as lágrimas nos meus olhos. 
Eu os amei o suficiente para os deixar assumir a responsabilidade das suas ações, mesmo quando as penalidades eram tão duras que me partiam o coração. 
Mais do que tudo, eu os amei o suficiente para dizer-lhes não, quando eu sabia que vocês poderiam me odiar por isso. Essas eram as mais difíceis batalhas de todas. 
Estou contente, venci... porque no final vocês venceram também! E qualquer dia, quando meus netos forem crescidos o suficiente para entenderem a lógica que motiva os pais e as mães, meus filhos vão lhes dizer quando eles lhes perguntarem se a sua mãe era má: "Sim... Nossa mãe era má. 
Era a mãe mais má do mundo. 
As outras crianças comiam doces no café e nós tínhamos de comer cereais, ovos e torradas. As outras crianças bebiam refrigerante e comiam batatas fritas e sorvete no almoço e nós tínhamos de comer arroz, feijão, carne, legumes e frutas. E ela obrigava-nos a jantar à mesa, bem diferente das outras mães, que deixavam os filhos comerem vendo televisão. 
Ela insistia em saber onde nós estávamos a toda hora. Era quase uma prisão. Mamãe tinha que saber quem eram os nossos amigos e o que nós fazíamos com eles. Insistia que lhe disséssemos que íamos sair, mesmo que demorássemos só uma hora ou menos. 
Nós tínhamos vergonha de admitir, mas ela violou as leis de trabalho infantil. Nós tínhamos de lavar a louça, fazer as camas, lavar a roupa, aprender a cozinhar, aspirar o chão, esvaziar o lixo e todo o tipo de trabalhos cruéis. Eu acho que ela nem dormia à noite, pensando em coisas para nos mandar fazer. 
Ela insistia sempre conosco para lhe dizermos a verdade, e apenas a verdade. E quando éramos adolescentes, ela até conseguia ler os nossos pensamentos. A nossa vida era mesmo chata. 
Ela não deixava os nossos amigos tocarem a buzina para que nós saíssemos. Tinham de subir, bater à porta para ela os conhecer. Enquanto todos podiam sair à noite com 12, 13 anos, nós tivemos de esperar pelos 16. 
Por causa da nossa mãe, nós perdemos imensas experiências da adolescência. Nenhum de nós esteve envolvido em atos de vandalismo, violação de propriedade, nem fomos presos por nenhum crime. Foi tudo por causa dela. 
Agora que já saímos de casa, nós somos adultos, honestos e educados, estamos a fazer o nosso melhor para sermos "pais maus", tal como a nossa mãe foi.