sábado, 16 de maio de 2009

ARTIGO: BARALHOS, DADOS E EDUCAÇÃO

A educadora Kátia Stocco Smole defende a realização de atividades lúdicas para desenvolver o raciocínio dos alunos. Para ela, os jogos têm de ser planejados, precisam ser utilizados várias vezes e não podem deixar de ser divertidos.



Baralho,dados e educação

A educadora Kátia Stocco Smole, doutora em Educação pela faculdade de Educação da USP e
coordenadora do grupo Mathema de pesquisas em ensino, diz que toda criança aprende com os jogos, pois eles desenvolvem o raciocínio, as regras de convivência em sociedade e são muito acessíveis. “Com um baralho e dois dados é possível fazer vários jogos.” Ela defende que nos ensinos infantil e fundamental os alunos devem trabalhar com um jogo por mês, em atividades
semanais. “Do ensino médio em diante, pode ser um jogo a cada dois meses.”
Segundo ela, o jogo por si só não deve ser considerado um transmissor de conhecimento, mas quando levado para a escola, proporciona melhor aprendizado. “Para ser usado em sala de aula, o jogo exige estrutura, planejamento. Deve-se manter o jogar por prazer, mas com intencionalidade. A tarefa da escola é ensinar. Qualquer recurso que ela use deve ir além da diversão, sem perder o lado lúdico, mas também não pode ocorrer sem planejamento e intervenção”
Na escola, o jogo melhora as relações com outras pessoas e desenvolve diversas formas de raciocínio. “Os jogos podem ser usados em vários conteúdos específicos como português, matemática e até geografia ou história.” Para a educadora, existe uma coisa comum a qualquer jogo: todos simulam relações sociais.
“Entender as regras e qual é o papel delas numa relação de grupo é muito importante. As regras não são imutáveis, mas para mudar é preciso discutir com os parceiros. Os alunos expõem seus pontos de vista e discutem opiniões. Com isso, as crianças simulam regras de convivência
social.”
Outra questão interessante das atividades lúdicas, de acordo com Kátia, é o roubo no jogo. “O que isso significa? Transgressão? Com a atividade lúdica a criança descobre que não pode roubar. Não se trata de uma regra moralista, pois o participante pode sofrer conseqüências se trapacear. São as punições definidas pela regra que dizem o que pode e não pode ser feito.”
Kátia também explica que os jogos auxiliam os alunos no processo de apropriação da leitura e da escrita e trabalham conceitos matemáticos e a resolução de problemas. Ela cita WAR como exemplo de um jogo de desenvolvimento de estratégia e de conteúdos como geografia e história. “Muitos conceitos podem ser explorados com as atividades lúdicas, principalmente os relacionados a matemática e português.”

Como trabalhar
Kátia aconselha os professores a pesquisar o jogo que irão trabalhar em sala, providenciar todo o material necessário, planejar como ensiná-lo para as crianças antes de levá-lo para a escola. “Não dá para levar um jogo para sala sem conhecer todas as regras e haver analisado os conteúdos que
podem ser desenvolvidos. O professor precisa ter definido se haverá modificações nas regras ou na maneira de jogar. Ele não deve dar o material nas mãos das crianças e depois querer ensinar as regras. Pode fazer uma roda, pegar quatro crianças e demonstrar uma partida com elas. Depois outras quatro e aí distribuir as que jogaram em outros grupos.” Avaliação da atividade, segundo a educadora, também é fundamental. “Depois de jogar três, quatro vezes, é preciso
avaliar. Continua, pára, troca?”
Outra sugestão da educadora é que não se jogue apenas uma vez, mas várias para que haja apreensão. “Na primeira vez, os alunos estão conhecendo as regras, principalmente na educação infantil e na fundamental. As crianças, quando conhecem um jogo, querem jogá-lo muitas vezes.”
O professor, explica Kátia, deve manter o mesmo jogo durante um mês, realizando atividades semanais, sempre procurando explorá-lo de formas diferentes. “O segredo não é fazer muitos jogos, mas fazer alguns e bem feitos. Na educação infantil e no ensino fundamental, o educador pode trabalhar um jogo por mês. Seis a oito jogos por ano.
Também é preciso conversar com os alunos sobre o que foi bom, o que aprenderam se haverá mudanças de regra e decidir se será mantido o mesmo grupo de alunos participantes. Ele pode propor que os alunos façam textos ou desenhos sobre o jogo, essa é uma atividade bem interessante, mesmo em matemática.”

Dicas de Jogos
Kátia sugere alguns jogos que podem ser trabalhados em aula com alunos de ensino infantil e fundamental:


Memória de dez – Deve ser jogado como um jogo de memória, aquele no qual a criança olha as cartas, depois vira as imagens para baixo e tenta lembrar onde estavam. Pode ser feito com um
baralho normal, usando as cartas do ás até o nove, de todos os naipes. Deve ser um baralho para cada grupo de quatro crianças.
Modo de jogar: os alunos embaralham e espalham as cartas com os números virados para baixo. Cada participante desvira duas cartas e soma os números delas. Sempre que a soma for 10, ele pode retirar as duas cartas e jogar novamente. Por exemplo, 2 e 8 dá 10, ele retira as cartas e repete o jogo. 4 e 3 igual a 7, as cartas ficam onde estão, viradas para baixo. Ganha quem terminar a partida com mais cartas retiradas. “Este jogo desenvolve a escrita e a leitura de números e o conceito de adição e subtração. Se tenho uma carta com número 6, para chegar a 10
faltam 4. O professor pode propor problemas: "A Kátia tirou 6 numa carta e 8 na outra, ela formou 10? Por quê?"; " Quais são todas as possibilidades de somar 10 com o baralho?"; " A Kátia formou um par de 10; tirou 7 numa carta, qual foi a outra? ". Cada vez que a criança resolve esses problemas ela joga melhor. Os alunos também podem fazer e consultar uma lista com os pares de números cuja soma é 10. O importante na atividade é investigar e discutir.”

Jogos de trilha – Para Kátia, os jogos de modo geral são recursos ótimos e baratos para trabalhar em sala de aula. “O professor só precisa de um par de dados e baralho, com isso se faz muita coisa. Jogos de trilha são acessíveis e fáceis de jogar. Com eles, as crianças trabalham relações de números com leitura e escrita. Nas partidas elas têm que seguir e voltar na trilha, enfrentar punição quando param em determinada casa. O professor pode pedir para alunos desenvolverem estes jogos. Basta papel, cola e lápis de cor. Cada grupo de quatro alunos faz um jogo.” Os jogos de trilha são aqueles nos quais os participantes jogam dois dados, somam as faces, e avançam casas de acordo com o resultado. As casas da trilha são numeradas e trazem textos do tipo: ‘se você chegou aqui na casa 7, deu azar, recue 3 casas. Na casa 9, deu sorte, avance 5’. Vence quem completa o percurso primeiro. De acordo com a educadora, há jogos para trabalhar as quatro operações matemáticas fundamentais (adição, subtração, divisão e multiplicação), além de contagem e sistema de operação decimal. “Com o pega-varetas é possível realizar todo o trabalho de numeração, da unidade até as dezenas. Dá até para trabalhar com números negativos.”

Jogo das sete cobras São necessários dois dados e que cada grupo de alunos escreva num papel números de 2 a 12, excluindo o 7. Como jogar: com a lista dos números, cada participante joga os dois dados e soma as faces, riscando da lista o número. Por exemplo, 2 e 3 , dá 5, risca o 5. Porém, quando a soma dá 7, o participante desenha uma cobra em sua lista. Ganha aquele que riscar todos os números da lista ou se o adversário desenhar sete cobras primeiro. Ou seja, quem faz as sete cobras, perde. “As crianças acham que é fácil riscar todos os números, mas no decorrer da partida descobrem que alguns números são mais difíceis de sair. Para somar 7 há várias combinações que os dados apresentam. Já para 12 só há 6 e 6. Com isso o professor pode discutir e desenvolver noções de probabilidades. Tirar 7 ou 12, qual é a maior probabilidade?”
Ela afirma que há bons jogos clássicos que ajudam a desenvolver diversos conceitos importantes. “Dama, jogo da velha e xadrez, por exemplo, trabalham estratégia e são fundamentais para matemática. Para trabalhar compra e venda há o Banco Imobiliário.” Já na educação infantil, há
muitos jogos para tratar de noção de espaço, cores, formas geométricas. “Até o jogo das sete cobras e a memória de dez são adaptáveis para educação infantil.”
Para ela, os professores precisam entender que o jogo em grupo causa barulho na sala de aula. “São crianças barulhentas, mas envolvidas com a atividade. Há professores que têm medo dos jogos, não sabem se as crianças estão acertando. O educador deve observar os alunos jogando, sem se aproximar muito e dar muitos palpites. Terminada a atividade, ele precisa garantir um tempo de 15 minutos para discutir o que viu e propor desafios. Há muito receio. Os professores acham que faltam jogos, mas hoje a literatura é vasta, há jogos baratos e ele pode até construí-los.”

Divertir é preciso
É fundamental que o professor não permita que o jogo deixe de ser divertido. “O professor não pode ficar em cima das crianças. Na educação infantil, os alunos adoram trilha, mas se o professor ficar muito em cima perguntando em que casa o aluno está e para onde ele vai, a partida perde a graça para a criança. O professor deve observar, registrar e só tirar dúvidas,
ou realizar questionamentos antes ou depois da atividade.”
Kátia ressalta dois erros na utilização dos jogos dentro da escola: o lúdico pelo lúdico (usar o jogo sem planejamento) e achar que a atividade não deve ser divertida. “É impossível pedir para as crianças jogarem em silêncio. O educador que combine com os alunos para eles não extrapolarem, mas silêncio ou falta de vibração, não dá. Se não houver desprendimento, o lúdico é destruído. Jogo muito fácil também não funciona.”

Video-games
Os jogos de videogame, para a educadora, não têm o que os jogos oferecem de melhor, que é o convívio. Em escolas há softwares para trabalhar alguns conteúdos, como matemática. Funcionam, mas excluem o convívio e não proporcionam desenvolvimento motor. Vivemos em sociedade, tratar de ética, convivência, tolerância é importante. O videogame não é exatamente o ideal, faz parte da cultura da garotada, oferece desenvolvimento intelectual, mas tem restrições.”

Jogos e brincadeiras: As brincadeiras, defende Kátia, têm um limite que o jogo não tem: a idade. “Brincadeira é melhor para crianças de primeira, segunda série, pois não desenvolvem conceitos mais complexos. Elas funcionam melhor no ensino infantil e no começo do fundamental. Boliche, amarelinha, corda, pegador, desenvolvem contato, coordenação motora, relação entre os alunos. São atividades tão vastas quanto o jogo e não são feitas sentadas. Permitem lateralidade, consciência corporal, conceitos importantes para quem está nessa faixa etária. A brincadeira também deve ser trabalhada semanalmente, uma vez por mês. Leva tempo para desenvolver todas as habilidades. A maioria das crianças não conhece essas brincadeiras, é possível até um resgate histórico com pais e avós.”
*fonte: DIÁRIO DO GRANDE ABC - DIÁRIO NA ESCOLA, 17/10/03

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